Fernandes Figueiredo em Foco

22 de dezembro de 2016

A ONU e a PEC do Teto dos Gastos Públicos

Com todo o respeito que merecem a Organização das Nações Unidas (ONU) e seus agentes, em especial, o relator especial para extrema pobreza e direitos humanos, parece­me que o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do teto dos gastos públicos que o referido representante da ONU leu não foi o mesmo texto que eu li. Em nota à imprensa, datada de 9 de dezembro, o senhor Philip Alson expõe suas críticas a PEC 55 (antiga PEC 241), em formato de matéria jornalística, e não como nota oficial.

Nesse documento, em primeiro lugar, diz ele que os planos do governo é “congelar o gasto social no Brasil por 20 anos”. Na verdade, o que essa PEC propõe é congelar as despesas primárias, que não se resumem aos gastos sociais. Essas despesas são as de custeio, como gastos com pessoal e materiais de consumo, e as de capital, como obras públicas e aporte de recursos em empresas estatais.

Certamente, os gastos sociais estão entre as despesas primárias, mas a PEC permite que eles sejam mantidos, desde que, por exemplo, seja reduzido o quadro de funcionários públicos e o Poder Público deixe de manter aeroportos, rodovias e ferrovias. Dessa forma, é possível que a PEC 55 estimule, ainda mais, as concessões de serviços públicos a empresas privadas, o que liberaria recursos públicos para os gastos sociais. Portanto, essa PEC não congela o gasto social, ao contrário do que o relator alega.

Em seguida, alega o senhor Alson que a prudência fiscal almejada pela PEC será em “prejuízo aos mais pobres nas próximas décadas, colocando toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social”. Acontece que os mais pobres foram os primeiros a sofrerem a condução irresponsável da política fiscal dos últimos anos.

Em 2015, a inflação voltou a atingir dois dígitos, de maneira inédita na era pós­real, sendo esse um dos piores “tributos regressivos”, pois suportado principalmente pelos mais pobres, que perdem o seu poder de compra, já que não conseguem se proteger do processo inflacionário. Além disso, com a derrocada da economia, dentre outros motivos, pela falta de confiança dos agentes econômicos, aumentou o contingente de desempregados, na sua maioria das classes mais pobres. A PEC do teto tenta trazer alguma alternativa para virar o curso do desenvolvimento econômico.

Interessante notar que a própria nota à imprensa do senhor relator especial apresenta a justificativa da PEC: “O Brasil é a maior economia da América Latina e sofre sua mais grave recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o início de 2015”.

A nota afirma, ainda, que “o Brasil estabeleceu um impressionante sistema de proteção social”, o que, sem dúvida, é verdade, mas ao custo da irresponsabilidade fiscal, que poderia colocar a perder tais conquistas. Dessa forma, o “impressionante sistema de proteção social” teria sido efêmero. Não é possível que um governo, assim como uma família ou uma empresa, gaste mais do que arrecada durante muitos anos. Essa situação é uma bomba­relógio que irá explodir, mais cedo ou mais tarde.

As críticas apresentadas na mencionada nota à impressa traz dados de “estudos e pesquisas” de fonte não revelada. Qual a origem da informação de que a educação no Brasil “clama pelo aumento de R$ 37 bilhões anualmente” e que a PEC 55 “reduzirá o gasto planejamento em R$ 47 bilhões nos próximos oito anos”? Quais são os dados relacionados à inflação e à arrecadação tributária utilizados para chegar a tais conclusões?

A nota diz ainda que “um estudo recente sugere que 43% dos brasileiros não conhecem a emenda e entre aqueles que conhecem, a maioria se opõe a ela”. Que estudo é esse? Qual a metodologia adotada? Qual o nível de conhecimento da PEC? Quais os argumentos usados pela “maioria” que se opõe? Aliás, de quanto é essa maioria? Fazer análises e prognósticos baseados em estudos e pesquisas apócrifos flerta com a leviandade.

A conclusão é de que a PEC viola o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em 1992, porque esse acordo internacional “veda a adoção de ‘medidas deliberadamente regressivas’ a não ser que não exista nenhuma outra alternativa”.

Diante de um problema fiscal na proporção do brasileiro, qual a alternativa ao controle dos gastos? Resposta instintiva: aumento de tributos. Acontece que a elevação da carga tributária, neste momento, pode gerar inflação, de um lado, reduzir o poder de compra dos cidadãos­consumidores, de outro, ou, ainda, reduzir os investimentos privados tanto na economia de mercado como nas obras e serviços públicos – e isso sem falar na possibilidade de incentivo à corrupção e à informalidade.

Essa solução do aumento de tributos foi a alternativa adotada desde a redemocratização, mesmo quando da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal ­ confira­se o desenvolvimento da carga tributária durante o governo FHC, responsável pela aprovação da lei complementar que controla as finanças públicas.

A alternativa da PEC do teto dos gastos não tem ideologia. Trata­se de uma medida necessária, independentemente da cartilha política que se siga. Por outro lado, ao mudar radicalmente a opção de ajuste fiscal, do incremento da receita pública para o controle e a racionalização da despesa pública, mostra ser uma medida revolucionária (e não conservadora). Acrescente­se que a PEC fomenta a discussão sobre as escolhas de políticas públicas, a ser travada no Congresso Nacional.