Fernandes Figueiredo em Foco

27 de abril de 2017

A Turquia e o Brasil: Constituinte Já!

*por Francisco Petros, colunista do Na Real

SÃO PAULO – Há quem catalogue fatores de estabilização da economia brasileira. De fato, as principais variáveis econômicas se acomodam sob o manto extenso da recessão e do desemprego. A inflação está em trajetória de queda, acompanhada pela tardia redução da taxa de juros básica. O Banco Central corre para ajustar a política monetária ao cenário mais benigno dos preços livres. O câmbio trafega em uma avenida retilínea, sem maiores percalços e com volatilidade reduzida. Já do lado fiscal, a maior parte dos desajustes, no curtíssimo prazo se deve à fragilidade da atividade econômica, enquanto os aspectos estruturais estão sendo atacados por meio de “reformas”, notadamente a limitação do financiamento de déficits via o orçamento e/ou emissão de moeda. A aprovação da PEC 241, aquela do “teto dos gastos públicos”, não foi propriamente um avanço. De fato, foi a assinatura do Congresso Nacional de medida que representa a incompetência do parlamento para administrar as contas públicas.

Doravante, a luta do governo é para conter as despesas da previdência social. Como vantagem essencial pregam os “reformadores” que teremos a estabilização das despesas via o aumento da idade mínima para aposentadoria e a equalização entre o regime previdenciário dispensado ao setor público e aquele que vige no setor privado. Assistiremos o quanto essa proposição governamental será mitigada pelos acordos noturnos que são feitos entre o governo e os políticos para que certos privilégios de burocratas do Estado brasileiro sejam mantidos. Há que se reconhecer a utilidade dessa reforma para a estabilização das contas do setor público. Que fique claro o que estamos a pontuar: sem essa reforma, não se administra o Erário em bom tom. Todavia, esse ajuste parece esconder a paisagem mais geral do problema. Refiro-me especialmente à existências de benefícios fiscais e tributários a muitos setores econômicos, bem como à estrutura tributária sob a qual falece à justiça econômica e social: os tributos são regressivos e o orçamento público não está voltado nem ao desenvolvimento econômico e nem à justiça social. Aqui residem, sem dúvida, parte significativa do problema do país.

Esse cenário econômico mais benigno, contudo, não encontra sustentáculo político correspondente. O Brasil está à deriva por força da destruição da Política. A corrupção revelada pela voz dos criminosos da Odebrecht é, infelizmente, apenas a pontinha do iceberg desse fenômeno econômico e cultural. As doenças que infestam as relações econômicas e sociais entre o público e o privado necessitam de reparos e reformas muita além de “emendas constitucionais”. Os sinais que recebemos demonstram que as instituições não mais atendem às necessidades do país.

A morte da Política no Brasil não foi apenas anunciada: estamos em meio ao grandioso velório dos partidos políticos, de seus “líderes” e de seus programas. Na Federação, a falência dos estados e municípios deixou de ser apenas parte da profecia e agora se tornou realismo fantástico. As Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais não passam de cartórios de registro daquilo que querem, mas não podem, os governadores e prefeitos. Ali, na base da pirâmide estatal, a falência do orçamento público inviabiliza setores básicos, notadamente a saúde, a educação e a segurança pública. Nas favelas, denominadas, como se adjetivos fossem, de “comunidades”, reina o tráfico de drogas, as milícias e a bandidagem mais comum e rasteira. A vida humana vale pouco.

Esse ambiente pode gerar várias saídas. Um cenário revolucionário é improvável vez que há desmobilização de lideranças e pouca organização social. Além do mais, se prosperasse esse cenário é provável que o país desembocasse em um estuário sem destino ou direção.

De outro lado, não há tempo para reformas e mais reformas, que sejam suficientes para conter os problemas e o Estado tomar a dianteira da retomada do desenvolvimento. A classe política pode estar engalfinhada na corrupção e submetida ao Judiciário. Todavia, ainda há poder formal nas mãos dos maus políticos para conter qualquer ação verdadeiramente reformista. A crise institucional brasileira não se dá pela ausência ou destruição daquilo que são as bases do Estado. Em verdade, os políticos e os burocratas do Estados se assentaram dentro do aparelho estatal e, de lá, trataram de regular as suas funções, em grande parte para obter os benefícios que lhes sustentam. Nos oleodutos do Poder corre a própria crise: por fora há aparência de estabilidade das instituições, por dentro falta-lhes a necessária funcionalidade em favor do bem comum.

Há quem creia que somente as eleições de 2018 podem dar nova configuração à política. Teimam os analistas de plantão em reportar a crise atual como apenas parte do jogo usual da política. Cometem, em verdade, erro grosseiro, mesmo que os detentores do poder econômico adiram às teses desses profetas que leem pesquisas sobre eleições como se fossem textos sagrados.

Nesse fim de semana assistimos a Turquia entregar às mãos de seu presidente Recep Tayyip Erdogan mais poder em troca de presumida segurança e desenvolvimento econômico. O país dividido – 51,2% votaram a favor da troca do sistema parlamentarista pelo presidencialista – admite manter Erdogan até 2029, retirar do Estado a sua secularidade, nomear juízes da Suprema Corte, poderes para que o presidente imponha unilateralmente o estado de emergência, bem como, intervir na política eleitoral. O país se afastará, dessa forma, da ambição de ingressar na União Europeia (que já era assunto polêmico), reforçará a ofensiva contra os curdos, massacrará a oposição, censurará a mídia local, além de causar substancial turbulência geopolítica numa região já arrasada pelas guerras e pela utilização da religião como arma de destruição em massa. O vazio político na Turquia foi preenchido por Erdogan sob o aplauso do tal do “mercado”. Uma ironia e um alerta.

Pois é: o Brasil está caminhando sem destino claro, a Política é odiada em função dos desmandos dos políticos, a economia está frágil, o desemprego é fonte de desesperança, a Federação está capenga e a sociedade desmobilizada.

É preciso encontrar saídas rapidamente.

A convocação de uma constituinte é o meio pelo qual poderemos ter momento e ocasião para discutir o Brasil e atrair para o centro político os “homens de bem” que podem mudar o cenário atual.

Seria triste e trágico ver o Brasil aceitar passivamente que o seu projeto de democracia e desenvolvimento caia em um cenário como o da Turquia. Definitivamente, estamos subestimando a crise e ironizando as saídas estruturais e democráticas.

Constituinte já! É o que proponho.