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28 de abril de 2020

O financiamento de litígios como mecanismo de acesso à Justiça

O financiamento de litígios como mecanismo de acesso à Justiça

Em nosso último artigo, antes dos desdobramentos envolvendo o COVID19, destacamos que a dificuldade econômica não justificará o afastamento da arbitragem e, ainda, que a situação poderia ser contornada através do third-party litigation funding.

Pois bem. Após duas semanas de quarentena social, com decretos municipais e estaduais determinando o fechamento de boa parte do comércio, as discussões passam a ser mais entre lockdown horizontal vs. lockdown vertical do que sobre o vírus em si, exatamente porque já se pode sentir, ao menos antever, quais serão os efeitos econômicos vinculados ao COVID19. Descumprimento contratual, exceção de contrato não cumprido, conservação dos contratos, força maior e outros tantos institutos do Direito das Obrigações, passam a ser invocados diante de um contexto global foi fortemente abalado.

Nesse sentido, partes e advogados precisarão mais do que nunca do bom senso e da boa-fé para resolver as questões amigavelmente para evitar uma enxurrada de novos litígios. Será muita ingenuidade imaginar que os litígios não aumentarão. Contudo, a despeito da existência de pessoas oportunistas e mal intencionadas, é importante ressaltar que existirão muitas situações em que as questões contratuais atingidas são de alta complexidade e o litígio será inevitável para resolução do conflito.

Considerando que a crise econômica será inevitável, oportuno a retomada da discussão sobre o third party fund para financiamento dos inúmeros litígios (judiciais e arbitrais) que surgirão. O financiamento profissional de litígios, também conhecido como alternative legal financing ou third-party litigation funding, é uma prática recente, ainda pouco difundida e explorada no mercado nacional, mas que ganha forças como opção para resolver o impasse.

O mecanismo é fundamentalmente simples. Por meio dele, um terceiro se propõe a custear as despesas de uma arbitragem ou de uma demanda judicial. Em contrapartida, a parte beneficiada pelo financiamento se compromete a repassar um valor fixo ou fração do proveito econômico que será obtido em caso de um desfecho favorável do litígio.

O financiamento profissional de litígios se trata, portanto, de um investimento, por meio do qual o financiador assume para si o risco de não receber retorno financeiro na eventualidade de um insucesso da demanda arbitral/judicial. Por outro lado, no que tange àquele que recebeu o financiamento, trata-se de uma oportunidade para o acesso à Justiça, a despeito de eventualmente ter optado por dispensar a jurisdição estatal.

Custear demanda de um terceiro ou mesmo obter lucro com litígios alheios eram práticas considerados criminosas na Inglaterra, ao menos na Idade Média quando o financiamento começou a ser praticado. A vedação desta prática tinha como propósito coibir que os financeiramente mais favorecidos pudessem interferir nas demandas judiciais, em detrimento dos interesses da administração da justiça.

O Brasil ainda caminha a passos curtos rumo à absorção e normatização do financiamento de litígios e a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXXIV, estabelece que “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Com efeito, a legislação brasileira confere à parte litigante a prerrogativa de acessar o Poder Judiciário sem custos, desde que devidamente demonstrada e comprovada sua hipossuficiência financeira.

Adicionalmente, a Constituição Federal também conferiu aos menos favorecidos a possibilidade de serem representados em Juízo por um operador do direito custeado pelo próprio Estado. Para tanto, o artigo 134 da Carta Magna instituiu a Defensoria Pública, entidade criada exclusivamente para esta finalidade.

O third-party funding, como demonstrado, não tem natureza de empréstimo, mas sim de um investimento (de risco), totalmente vinculado ao eventual êxito de uma demanda judicial ou arbitral. O financiamento de litígio, portanto, trata-se de uma modalidade de negócio jurídico (pode ser via cessão de direitos), cujos requisitos de validade estão previstos em norma infraconstitucional, mais precisamente no Código Civil. E não havendo vícios que o maculem, não há que presumir sua inaplicabilidade (artigo 286 do Código Civil).

O procedimento arbitral, portanto, precisa ser efetivamente visto como uma opção escolhida pelos contratantes e, consequentemente, respeitar sua força vinculante é essencial para manutenção do sistema e da sua credibilidade, ressaltando que os contratantes poderão, ao firmar os instrumentos, optar por (i) privilegiar o acesso à Justiça Comum com a inserção de cláusula padrão com eleição de foro, garantindo ao Poder Judiciário jurisdição e, ao mesmo tempo, garantindo que a ausência de capacidade econômica para custear o processo não será um óbice para obtenção de qualquer tutela jurisdicional, ou, ainda, (ii) privilegiar o procedimento arbitral, ciente de que eventual hipossuficiência econômica poderá ser contornada através do financiamento profissional de litígios (third-party litigation funding), que embora ainda seja pouco difundido e explorado no mercado nacional, tem ganhado forças e cada vez mais relevância.

Há diversas dúvidas e questionamentos sobre o third-party litigation funding, como confidencialidade, eventual conflito de interesses, inclusive entre financiador e financiado, isso para mencionar apenas alguns. Mas isso abordaremos em nova oportunidade.

 

Elisa Junqueira Figueiredo, sócia fundadora do FF Advogados, responsável pelas áreas de Direito privado com foco em contratos, contencioso cível, arbitragem, imobiliário, família e sucessões.
elisa.figueiredo@fflaw.com.br

Bruno Maglione, advogado do FF Advogados, atua nas áreas de contencioso cível, arbitragem e imobiliário
bruno.maglione@fflaw.com.br

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