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12 de julho de 2022

Para compreender da sistemática atual de precedentes

É notório que o Código de Processo Civil – CPC 2015 trouxe um novo paradigma para o direito processual brasileiro, na medida em que atribuiu força aos precedentes judicias, especialmente por meio da vinculação do Poder Judiciário (decisões proferidas em sede de repercussão geral e sob o rito dos recursos repetitivos, no Supremo Tribunal Federal – STF e Superior Tribunal de Justiça – STJ, respectivamente).

Vale lembrar que o diploma processual criou ainda mecanismos que fortaleceram tal sistematização, como é o caso da tutela de evidência, que permitiu a concessão antecipada de direitos (ainda no curso do processo judicial), mesmo sem a comprovação de risco de dano ou prejuízo, desde que comprovada a existência de entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores. Trata-se, na verdade, de antecipação de um direito cuja previsibilidade de procedência é praticamente certa.

Em suma, essa nova sistemática visa garantir a segurança jurídica, além de buscar a coerência e a uniformização da jurisprudência, permitindo a aplicação isonômica dos precedentes no ambiente judicial.

O avanço promovido pelo Código de Processo Civil de 2015 é evidente, todavia, ainda estamos diante de um modelo bastante peculiar que tramita entre o commom law (força dos precedentes) e o civil law (positivismo estrito) e, assim, gera dúvidas e incertezas, especialmente no tocante aos reflexos dos precedentes para além dos processos judiciais.

Nesse sentido, está sendo muito aguardado o julgamento do STF com relação aos “efeitos das decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado” (Tema 885); em outras palavras: quais os efeitos das decisões judiciais da Corte Suprema no caso de tributos que são devidos periodicamente, tais como PIS/COFINS, IRPJ, ICMS etc.

Em resumo, o STF analisará a relativização da coisa julgada (trânsito em julgado, sem possibilidade de novos recursos) em matéria tributária, face a decisões proferidas pela Corte Constitucional posteriormente em sede de controle difuso e que, supostamente, produziriam efeitos apenas para as partes ainda litigantes em processos judiciais (artigos 926 e seguintes do CPC15).

Desde 2011, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN entende que as decisões com trânsito em julgado que disciplinam relações continuativas podem ser modificadas no caso de decisão posterior do STF em sentido contrário, desde que proferidas sob a sistemática de controle concentrado (ADIN, ADC e ADPF) ou, sob a sistemática da repercussão geral, no caso de controle difuso.

Segundo entendimento das autoridades fazendárias, a partir do novo julgamento, não há necessidade de ação rescisória, permitindo -se a cobrança imediata do tributo, mesmo que o contribuinte tenha decisão transitada em julgado em sentido contrário.

A relativização da coisa julgada pretendida pelo Parecer PGFN 492, de 2011, sempre foi bastante questionada pelos contribuintes, sob os argumentos de afronta ao próprio instituto da coisa julgada, a segurança jurídica e ao estado democrático de Direito, todavia, o CPC de 2015 parece ter dado uma nova roupagem a discussão.

Assim, além de analisar os limites da coisa julgada, ao julgar o Tema 885, o Tribunal deverá enfrentar o real impacto dos precedentes firmados em sede de controle difuso (afetados pela repercussão geral) nas relações jurídico tributárias, sejam estas judicializadas ou não.

A depender do posicionamento do STF com relação à matéria, a força atribuída aos precedentes no CPC de 2015 pode ganhar novos contornos, já que uma decisão proferida em sede de controle difuso (sob o rito da repercussão geral) pode gerar efeitos não só entre as partes que ainda litigam perante o Poder Judiciário, mas, também para aquelas que possuem demandas já finalizadas (com trânsito em julgado em sentido contrário). Tal situação certamente afetará aqueles que sequer ingressaram em juízo.

O julgamento do tema 885 pode definir, de fato, a força da sistemática de precedentes criada pelo CPC de 2015, com a limitação não só da coisa julgada, mas a limitação das normas que regulam as relações jurídico tributárias (fisco/contribuinte), por conta da aplicação dos precedentes para além dos processos judiciais. É preciso acompanhar de perto o desfecho deste tema, pois os fundamentos desse julgamento podem esclarecer, enfim, o nosso peculiar modelo híbrido (commom law/civil law) criado pelo diploma processual de 2015.