Fernandes Figueiredo em Foco

1 de outubro de 2018

Petrobras calcula que ainda teria de R$ 20 bi a R$ 30 bi a ser ressarcidos

1-45

 

Por Maria Cristina Fernandes

Negociado há três anos, o acordo entre a Petrobras, a SEC (Securities and Exchange Commission) e o DoJ (Departamento de Justiça) americanos emperrou nos últimos dois meses pela determinação da empresa, finalmente bem-sucedida, de ser considerada vítima e não beneficiária do processo de corrupção. Na legislação americana, ao contrário da brasileira, as pessoas jurídicas podem ser criminalizadas. No formato final do acordo, a Petrobras reconheceu falha nos registros contábeis e no controle interno, mas não o protagonismo na corrupção. As propinas havidas se destinaram a corrupção de executivos e políticos não para que a empresa tivesse mais lucro.

A imputação da estatal no processo dificultaria o ressarcimento da empresa em processos hoje em curso. Cálculos internos indicam que a companhia tem entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões a ser ressarcidos. Contra si, a Petrobras tem arbitragens no Brasil, Argentina e Holanda. Em pelo menos três ocasiões, os árbitros americanos tentaram concluir o acordo na direção do protagonismo da estatal mas enfrentaram a resistência dos conselheiros e advogados envolvidos na negociação.

Durante a negociação com o DoJ e a SEC, a acusação mais grave da qual a empresa teve que se livrar para não ser considerada beneficiária do processo envolve mais diretamente os dois partidos que, ao longo das últimas décadas,
polarizaram a política brasileira, o PT e o PSDB.

Foi a acusação de que o ex-presidente da estatal, Sérgio Gabrielli e o ex-diretor Paulo Roberto Costa, teriam pedido a executivos da Galvão Engenharia que depositassem R$ 10 milhões em favor do então presidente do PSDB, Sérgio
Guerra, para que a CPI da Petrobras não prosperasse. Provada, a propina seria indício de que a empresa teria agido em benefício próprio ao tentar evitar a CPI. Os advogados sustentaram que não havia prova de que o suborno havia se materializado. Sérgio Guerra morreu em 2014 e Gabrielli atua na coordenação da campanha de Fernando Haddad à Presidência.

Ao se livrar da imputação de beneficiária do processo de corrupção, no entanto, a Petrobras e o DoJ, instância mais
próxima do que se conhece como polícia do mundo, se puseram de acordo na responsabilidade de terceiros pelo dano  ex-executivos da empresa, ex-conselheiros e os partidos responsáveis pelas nomeações na estatal, PP, PMDB e PT.

A decisão demonstra que a poeira levantada pela Lava-Jato ainda está longe de ser assentada. Pelo documento final, não se permite a cobrança a terceiros das multas imputadas à empresa pelas falhas nos registros contábeis e no controle interno, mas a estatal poderá acionar os ex-executivos e os partidos para recuperar os prejuízos decorrentes da corrupção.

Recoloca ainda, no centro do debate eleitoral, o futuro da maior estatal brasileira no próximo governo. A repercussão do fechamento do acordo às vésperas do primeiro turno das eleições preocupou a diretoria da estatal. A aposta, no entanto, é de que a unanimidade dos 11 integrantes do conselho na retificação do acordo, inclusive dos representantes dos acionistas minoritários, venha a minorar sua exploração política.

A empresa garante, no acordo, não manter em seus quadros nenhum dos personagens que, entre 2004 e 2012, possibilitaram que a corrupção prosperasse em seus contratos. Além de assegurar imunidade criminal à Petrobras nos Estados Unidos, o texto não prevê monitoramento do acordo pela SEC e pelo DoJ. Caberá ao conselho da estatal definir como se dará persecução criminal dos ex-executivos e dos políticos.

Estatal reconheceu falha nos balanços e no controle interno, mas não protagonismo na corrupção

Há uma pressão natural dos acionistas minoritários pelo ressarcimento à empresa, mas não há prazo definido. O mais provável é que a decisão do conselho sobre os alvos de suas ações fique para depois do segundo turno. Outro tema ainda não pacificado entre conselheiros e diretores da empresa, e de igual sensibilidade política, é se haverá processo contra a União, sua principal controladora.

A venda de ativos da estatal, tema apenas superficialmente tocado na campanha eleitoral, também está no escopo do
acordo. Os árbitros americanos queriam que os futuros compradores aderissem às cláusulas do acordo. Foi um dos pontos mais árduos da negociação, que findou por excluir a atual lista de ativos à venda, ficando submetidos ao acordo apenas aqueles cuja alienação vier a ser decidida a partir da aprovação do acordo.

O desfecho revela o quanto foi decisivo para os negociadores a conclusão, em dezembro do ano passado, do acordo com acionistas pelo qual a empresa concordou em pagar US$ 2,95 bilhões. Fontes da Petrobras têm a convicção de que, se tivesse saído depois do acerto com a SEC e o DoJ, o acordo com os acionistas teria ultrapassado aquele valor.

A quantia finalmente acertada foi de US$ 1,7 bilhão, sendo US$ 853 milhões em multas, US$ 711 milhões em restituição de benefícios ilícitos (“disgorgement”) e US$ 207 milhões em juros (“pre-judgement interests”). A soma das duas últimas rubricas será descontada do acordo de acionistas, restando a multa de US$ 853 milhões.

Dos valores pagos, 80% retornarão à empresa. Sua destinação será definida pelo conselho de administração da estatal. O ministério público pode vir a ser um dos destinatários dos valores, ainda que haja divergências em torno do conflito de interesses envolvido no caso. O principal acusador se tornaria, também, o principal beneficiário da acusação.

Em meio à reta final das negociações, o acordo enfrentou as tensões de um DoJ dominado pela batalha entre seu chefe, o procurador-geral Jeff Sessions, e o presidente americano, Donald Trump.

O esquema de fraude e propina deixou a empresa à mercê de políticos e partidos brasileiros, diz DoJ

O mais duro dos árbitros americanos foi Daniel Kahn. No Departamento de Justiça desde 2010, Kahn chefia há cinco anos o FCPA (Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras). Em seu histórico no órgão, Kahn coleciona uma das maiores ações, contra a Alstom (US$ 772 milhões), e o caso que levou à prisão dos executivos da estatal haitiana de telecomunicações, Terra, condenados a pena de 15 anos de prisão, a mais longa relacionada à FCPA. Kahn, que ainda é professor da escola de direito da universidade de Harvard, atuou numa força tarefa com a polícia novaiorquina contra persecuções criminais injustificadas.

O rigor de árbitros como Kahn, somado ao gigantismo da corrupção, surpreendeu os analistas de Petrobras, a grande maioria pessimista com o desfecho. Pela estatal, o time que conduziu as negociações foi liderado pelo ex-presidente Pedro Parente, depois substituído pelo atual titular Ivan Monteiro, e pelos conselheiros Francisco Petros e Nelson Carvalho.

Somando os contratados do escritório americano que conduziu o caso (Gibson, Dunn & Crutcher) com aqueles da empresa, vinte advogados permaneceram inteiramente mobilizados pelo acordo ao longo dos últimos três anos.

O acordo tem validade de três anos. Não haverá um monitor externo de seu cumprimento. A Petrobras se limitará a
reportar o programa de compliance e melhoria de controles da companhia.

Os nomes que os brasileiros se acostumaram a ver recitados ao longo dos quatro anos da Lava-Jato foram poupados do documento, que identifica os executivos por números. Mas a engrenagem lá está, completamente exposta, ao longo das 33 páginas do documento: “Entre 2004 e 2012, os executivos da Petrobras e seus gerentes (…), fornecedores e prestadores de serviços da companhia, facilitaram um enorme esquema de fraude e propina que, entre outras coisas, permitiu a empresas obter contratos da Petrobras por meios não competitivos e deixar a Petrobras à mercê dos políticos e dos partidos brasileiros”.

A exposição, a cargo dos xerifes mundiais, foi o preço a pagar pela eliminação do último grande risco daquela que ainda é a maior estatal brasileira

“Francisco Petros, sócio do FF Advogados e conselheiro de administração da Petrobrás integrou o time que conduziu as negociações da estatal com as autoridades norte-americanas (Department of Justice and Securities Exchange Commission).”[:en]1-45

 

Por Maria Cristina Fernandes

Negociado há três anos, o acordo entre a Petrobras, a SEC (Securities and Exchange Commission) e o DoJ (Departamento de Justiça) americanos emperrou nos últimos dois meses pela determinação da empresa, finalmente bem-sucedida, de ser considerada vítima e não beneficiária do processo de corrupção. Na legislação americana, ao contrário da brasileira, as pessoas jurídicas podem ser criminalizadas. No formato final do acordo, a Petrobras reconheceu falha nos registros contábeis e no controle interno, mas não o protagonismo na corrupção. As propinas havidas se destinaram a corrupção de executivos e políticos não para que a empresa tivesse mais lucro.

A imputação da estatal no processo dificultaria o ressarcimento da empresa em processos hoje em curso. Cálculos internos indicam que a companhia tem entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões a ser ressarcidos. Contra si, a Petrobras tem arbitragens no Brasil, Argentina e Holanda. Em pelo menos três ocasiões, os árbitros americanos tentaram concluir o acordo na direção do protagonismo da estatal mas enfrentaram a resistência dos conselheiros e advogados envolvidos na negociação.

Durante a negociação com o DoJ e a SEC, a acusação mais grave da qual a empresa teve que se livrar para não ser considerada beneficiária do processo envolve mais diretamente os dois partidos que, ao longo das últimas décadas,
polarizaram a política brasileira, o PT e o PSDB.

Foi a acusação de que o ex-presidente da estatal, Sérgio Gabrielli e o ex-diretor Paulo Roberto Costa, teriam pedido a executivos da Galvão Engenharia que depositassem R$ 10 milhões em favor do então presidente do PSDB, Sérgio
Guerra, para que a CPI da Petrobras não prosperasse. Provada, a propina seria indício de que a empresa teria agido em benefício próprio ao tentar evitar a CPI. Os advogados sustentaram que não havia prova de que o suborno havia se materializado. Sérgio Guerra morreu em 2014 e Gabrielli atua na coordenação da campanha de Fernando Haddad à Presidência.

Ao se livrar da imputação de beneficiária do processo de corrupção, no entanto, a Petrobras e o DoJ, instância mais
próxima do que se conhece como polícia do mundo, se puseram de acordo na responsabilidade de terceiros pelo dano  ex-executivos da empresa, ex-conselheiros e os partidos responsáveis pelas nomeações na estatal, PP, PMDB e PT.

A decisão demonstra que a poeira levantada pela Lava-Jato ainda está longe de ser assentada. Pelo documento final, não se permite a cobrança a terceiros das multas imputadas à empresa pelas falhas nos registros contábeis e no controle interno, mas a estatal poderá acionar os ex-executivos e os partidos para recuperar os prejuízos decorrentes da corrupção.

Recoloca ainda, no centro do debate eleitoral, o futuro da maior estatal brasileira no próximo governo. A repercussão do fechamento do acordo às vésperas do primeiro turno das eleições preocupou a diretoria da estatal. A aposta, no entanto, é de que a unanimidade dos 11 integrantes do conselho na retificação do acordo, inclusive dos representantes dos acionistas minoritários, venha a minorar sua exploração política.

A empresa garante, no acordo, não manter em seus quadros nenhum dos personagens que, entre 2004 e 2012, possibilitaram que a corrupção prosperasse em seus contratos. Além de assegurar imunidade criminal à Petrobras nos Estados Unidos, o texto não prevê monitoramento do acordo pela SEC e pelo DoJ. Caberá ao conselho da estatal definir como se dará persecução criminal dos ex-executivos e dos políticos.

Estatal reconheceu falha nos balanços e no controle interno, mas não protagonismo na corrupção

Há uma pressão natural dos acionistas minoritários pelo ressarcimento à empresa, mas não há prazo definido. O mais provável é que a decisão do conselho sobre os alvos de suas ações fique para depois do segundo turno. Outro tema ainda não pacificado entre conselheiros e diretores da empresa, e de igual sensibilidade política, é se haverá processo contra a União, sua principal controladora.

A venda de ativos da estatal, tema apenas superficialmente tocado na campanha eleitoral, também está no escopo do
acordo. Os árbitros americanos queriam que os futuros compradores aderissem às cláusulas do acordo. Foi um dos pontos mais árduos da negociação, que findou por excluir a atual lista de ativos à venda, ficando submetidos ao acordo apenas aqueles cuja alienação vier a ser decidida a partir da aprovação do acordo.

O desfecho revela o quanto foi decisivo para os negociadores a conclusão, em dezembro do ano passado, do acordo com acionistas pelo qual a empresa concordou em pagar US$ 2,95 bilhões. Fontes da Petrobras têm a convicção de que, se tivesse saído depois do acerto com a SEC e o DoJ, o acordo com os acionistas teria ultrapassado aquele valor.

A quantia finalmente acertada foi de US$ 1,7 bilhão, sendo US$ 853 milhões em multas, US$ 711 milhões em restituição de benefícios ilícitos (“disgorgement”) e US$ 207 milhões em juros (“pre-judgement interests”). A soma das duas últimas rubricas será descontada do acordo de acionistas, restando a multa de US$ 853 milhões.

Dos valores pagos, 80% retornarão à empresa. Sua destinação será definida pelo conselho de administração da estatal. O ministério público pode vir a ser um dos destinatários dos valores, ainda que haja divergências em torno do conflito de interesses envolvido no caso. O principal acusador se tornaria, também, o principal beneficiário da acusação.

Em meio à reta final das negociações, o acordo enfrentou as tensões de um DoJ dominado pela batalha entre seu chefe, o procurador-geral Jeff Sessions, e o presidente americano, Donald Trump.

O esquema de fraude e propina deixou a empresa à mercê de políticos e partidos brasileiros, diz DoJ

O mais duro dos árbitros americanos foi Daniel Kahn. No Departamento de Justiça desde 2010, Kahn chefia há cinco anos o FCPA (Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras). Em seu histórico no órgão, Kahn coleciona uma das maiores ações, contra a Alstom (US$ 772 milhões), e o caso que levou à prisão dos executivos da estatal haitiana de telecomunicações, Terra, condenados a pena de 15 anos de prisão, a mais longa relacionada à FCPA. Kahn, que ainda é professor da escola de direito da universidade de Harvard, atuou numa força tarefa com a polícia novaiorquina contra persecuções criminais injustificadas.

O rigor de árbitros como Kahn, somado ao gigantismo da corrupção, surpreendeu os analistas de Petrobras, a grande maioria pessimista com o desfecho. Pela estatal, o time que conduziu as negociações foi liderado pelo ex-presidente Pedro Parente, depois substituído pelo atual titular Ivan Monteiro, e pelos conselheiros Francisco Petros e Nelson Carvalho.

Somando os contratados do escritório americano que conduziu o caso (Gibson, Dunn & Crutcher) com aqueles da empresa, vinte advogados permaneceram inteiramente mobilizados pelo acordo ao longo dos últimos três anos.

O acordo tem validade de três anos. Não haverá um monitor externo de seu cumprimento. A Petrobras se limitará a
reportar o programa de compliance e melhoria de controles da companhia.

Os nomes que os brasileiros se acostumaram a ver recitados ao longo dos quatro anos da Lava-Jato foram poupados do documento, que identifica os executivos por números. Mas a engrenagem lá está, completamente exposta, ao longo das 33 páginas do documento: “Entre 2004 e 2012, os executivos da Petrobras e seus gerentes (…), fornecedores e prestadores de serviços da companhia, facilitaram um enorme esquema de fraude e propina que, entre outras coisas, permitiu a empresas obter contratos da Petrobras por meios não competitivos e deixar a Petrobras à mercê dos políticos e dos partidos brasileiros”.

A exposição, a cargo dos xerifes mundiais, foi o preço a pagar pela eliminação do último grande risco daquela que ainda é a maior estatal brasileira[:es]1-45

Por Maria Cristina Fernandes

Negociado há três anos, o acordo entre a Petrobras, a SEC (Securities and Exchange Commission) e o DoJ (Departamento de Justiça) americanos emperrou nos últimos dois meses pela determinação da empresa, finalmente bem-sucedida, de ser considerada vítima e não beneficiária do processo de corrupção. Na legislação americana, ao contrário da brasileira, as pessoas jurídicas podem ser criminalizadas. No formato final do acordo, a Petrobras reconheceu falha nos registros contábeis e no controle interno, mas não o protagonismo na corrupção. As propinas havidas se destinaram a corrupção de executivos e políticos não para que a empresa tivesse mais lucro.

A imputação da estatal no processo dificultaria o ressarcimento da empresa em processos hoje em curso. Cálculos internos indicam que a companhia tem entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões a ser ressarcidos. Contra si, a Petrobras tem arbitragens no Brasil, Argentina e Holanda. Em pelo menos três ocasiões, os árbitros americanos tentaram concluir o acordo na direção do protagonismo da estatal mas enfrentaram a resistência dos conselheiros e advogados envolvidos na negociação.

Durante a negociação com o DoJ e a SEC, a acusação mais grave da qual a empresa teve que se livrar para não ser considerada beneficiária do processo envolve mais diretamente os dois partidos que, ao longo das últimas décadas,
polarizaram a política brasileira, o PT e o PSDB.

Foi a acusação de que o ex-presidente da estatal, Sérgio Gabrielli e o ex-diretor Paulo Roberto Costa, teriam pedido a executivos da Galvão Engenharia que depositassem R$ 10 milhões em favor do então presidente do PSDB, Sérgio
Guerra, para que a CPI da Petrobras não prosperasse. Provada, a propina seria indício de que a empresa teria agido em benefício próprio ao tentar evitar a CPI. Os advogados sustentaram que não havia prova de que o suborno havia se materializado. Sérgio Guerra morreu em 2014 e Gabrielli atua na coordenação da campanha de Fernando Haddad à Presidência.

Ao se livrar da imputação de beneficiária do processo de corrupção, no entanto, a Petrobras e o DoJ, instância mais
próxima do que se conhece como polícia do mundo, se puseram de acordo na responsabilidade de terceiros pelo dano  ex-executivos da empresa, ex-conselheiros e os partidos responsáveis pelas nomeações na estatal, PP, PMDB e PT.

A decisão demonstra que a poeira levantada pela Lava-Jato ainda está longe de ser assentada. Pelo documento final, não se permite a cobrança a terceiros das multas imputadas à empresa pelas falhas nos registros contábeis e no controle interno, mas a estatal poderá acionar os ex-executivos e os partidos para recuperar os prejuízos decorrentes da corrupção.

Recoloca ainda, no centro do debate eleitoral, o futuro da maior estatal brasileira no próximo governo. A repercussão do fechamento do acordo às vésperas do primeiro turno das eleições preocupou a diretoria da estatal. A aposta, no entanto, é de que a unanimidade dos 11 integrantes do conselho na retificação do acordo, inclusive dos representantes dos acionistas minoritários, venha a minorar sua exploração política.

A empresa garante, no acordo, não manter em seus quadros nenhum dos personagens que, entre 2004 e 2012, possibilitaram que a corrupção prosperasse em seus contratos. Além de assegurar imunidade criminal à Petrobras nos Estados Unidos, o texto não prevê monitoramento do acordo pela SEC e pelo DoJ. Caberá ao conselho da estatal definir como se dará persecução criminal dos ex-executivos e dos políticos.

Estatal reconheceu falha nos balanços e no controle interno, mas não protagonismo na corrupção

Há uma pressão natural dos acionistas minoritários pelo ressarcimento à empresa, mas não há prazo definido. O mais provável é que a decisão do conselho sobre os alvos de suas ações fique para depois do segundo turno. Outro tema ainda não pacificado entre conselheiros e diretores da empresa, e de igual sensibilidade política, é se haverá processo contra a União, sua principal controladora.

A venda de ativos da estatal, tema apenas superficialmente tocado na campanha eleitoral, também está no escopo do
acordo. Os árbitros americanos queriam que os futuros compradores aderissem às cláusulas do acordo. Foi um dos pontos mais árduos da negociação, que findou por excluir a atual lista de ativos à venda, ficando submetidos ao acordo apenas aqueles cuja alienação vier a ser decidida a partir da aprovação do acordo.

O desfecho revela o quanto foi decisivo para os negociadores a conclusão, em dezembro do ano passado, do acordo com acionistas pelo qual a empresa concordou em pagar US$ 2,95 bilhões. Fontes da Petrobras têm a convicção de que, se tivesse saído depois do acerto com a SEC e o DoJ, o acordo com os acionistas teria ultrapassado aquele valor.

A quantia finalmente acertada foi de US$ 1,7 bilhão, sendo US$ 853 milhões em multas, US$ 711 milhões em restituição de benefícios ilícitos (“disgorgement”) e US$ 207 milhões em juros (“pre-judgement interests”). A soma das duas últimas rubricas será descontada do acordo de acionistas, restando a multa de US$ 853 milhões.

Dos valores pagos, 80% retornarão à empresa. Sua destinação será definida pelo conselho de administração da estatal. O ministério público pode vir a ser um dos destinatários dos valores, ainda que haja divergências em torno do conflito de interesses envolvido no caso. O principal acusador se tornaria, também, o principal beneficiário da acusação.

Em meio à reta final das negociações, o acordo enfrentou as tensões de um DoJ dominado pela batalha entre seu chefe, o procurador-geral Jeff Sessions, e o presidente americano, Donald Trump.

O esquema de fraude e propina deixou a empresa à mercê de políticos e partidos brasileiros, diz DoJ

O mais duro dos árbitros americanos foi Daniel Kahn. No Departamento de Justiça desde 2010, Kahn chefia há cinco anos o FCPA (Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras). Em seu histórico no órgão, Kahn coleciona uma das maiores ações, contra a Alstom (US$ 772 milhões), e o caso que levou à prisão dos executivos da estatal haitiana de telecomunicações, Terra, condenados a pena de 15 anos de prisão, a mais longa relacionada à FCPA. Kahn, que ainda é professor da escola de direito da universidade de Harvard, atuou numa força tarefa com a polícia novaiorquina contra persecuções criminais injustificadas.

O rigor de árbitros como Kahn, somado ao gigantismo da corrupção, surpreendeu os analistas de Petrobras, a grande maioria pessimista com o desfecho. Pela estatal, o time que conduziu as negociações foi liderado pelo ex-presidente Pedro Parente, depois substituído pelo atual titular Ivan Monteiro, e pelos conselheiros Francisco Petros e Nelson Carvalho.

Somando os contratados do escritório americano que conduziu o caso (Gibson, Dunn & Crutcher) com aqueles da empresa, vinte advogados permaneceram inteiramente mobilizados pelo acordo ao longo dos últimos três anos.

O acordo tem validade de três anos. Não haverá um monitor externo de seu cumprimento. A Petrobras se limitará a
reportar o programa de compliance e melhoria de controles da companhia.

Os nomes que os brasileiros se acostumaram a ver recitados ao longo dos quatro anos da Lava-Jato foram poupados do documento, que identifica os executivos por números. Mas a engrenagem lá está, completamente exposta, ao longo das 33 páginas do documento: “Entre 2004 e 2012, os executivos da Petrobras e seus gerentes (…), fornecedores e prestadores de serviços da companhia, facilitaram um enorme esquema de fraude e propina que, entre outras coisas, permitiu a empresas obter contratos da Petrobras por meios não competitivos e deixar a Petrobras à mercê dos políticos e dos partidos brasileiros”.

A exposição, a cargo dos xerifes mundiais, foi o preço a pagar pela eliminação do último grande risco daquela que ainda é a maior estatal brasileira.