Fernandes Figueiredo em Foco

5 de março de 2015

KPMG terá que ressarcir investidor do BVA

[:pt]A KPMG e um de seus sócios foram condenados em primeira instância a indenizar as perdas que um investidor teve com aplicação em CDBs do Banco BVA, que hoje vive processo de falência. Segundo
fontes do setor, trata­se da primeira decisão de mérito na Justiça brasileira responsabilizando integralmente o auditor por perdas decorrentes de um investimento bancário.

A decisão foi proferida no mês passado pelo juiz Miguel Ferrari Júnior, da 43a Vara Cível da capital.

Em um processo paralelo movido pelo Ministério Público de São Paulo, a KPMG também consta como ré e teve seus bens financeiros arrestados por medida cautelar, tendo como base de acusação um relatório elaborado pelo Banco Central (BC) sobre o BVA.

Para garantia da execução da pena, o juiz Miguel Ferrari Júnior determinou o bloqueio de bens da KPMG e do sócio acusado, Francesco Luigi Celso, que ofereceram fiança bancária. Em um caso separado, Luigi Celso firmou em fevereiro termo de compromisso com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sem assumir culpa, pelo qual se comprometeu a ficar dois anos sem assinar pareceres de auditoria de companhias abertas e entidades reguladas, após sofrer acusação de procedimentos incorretos de auditoria envolvendo fundos do Bancoob.

A tese da acusação, formulada pelo escritório Fernandes, Figueiredo Advogados, sustenta que o parecer sem ressalva emitido pela KPMG sobre o balanço do BVA teria feito com que o investidor aplicasse R$ 3,6 milhões em CDBs da instituição. Em valores corrigidos, a cifra supera R$ 5 milhões.

O argumento segue a linha de que a responsabilidade do auditor é objetiva. Por essa tese, se o relatório do auditor atesta que a situação patrimonial do banco era boa, nos seus aspectos relevantes, quando na verdade ela não era, isso é suficiente para se punir a auditoria.

O autor da ação também alega que, mesmo que a responsabilidade seja subjetiva, sendo necessário provar culpa ou dolo, o relatório do BC sobre o caso apontaria erros suficientes nos procedimentos de auditoria que justificariam a condenação da KPMG.

Segundo o juiz do caso, “o auditor (…) não se exime de responsabilidade pelo fato de os administradores da companhia terem inserido informações inexatas nos balanços auditados. Aliás, é exatamente para isso que as auditorias existem, para aferir a autenticidade ou a inexatidão dos dados constantes dos balanços”.

Para Ferrari Júnior, a responsabilidade da auditoria é solidária em relação à da administração, já que a perda do investidor derivou de um concurso de causas: os problemas do BVA e a realização da auditoria “que não identificou o real estado financeiro” do banco.

A KPMG foi procurada, mas disse apenas que vai recorrer da decisão.

Sem citar exemplos específicos, o novo presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon),

Idésio Coelho, avalia que nos casos em que relatório de auditoria traz conclusão errada ­ ou seja, quando vem indevidamente sem ressalva ­, podem existir três tipos de situação, que, na visão dele, deveriam ter consequências distintas legalmente.

Na primeira delas ficaria provado que o auditor participou da fraude, em conluio com os administradores. Nesse caso, haveria dolo e o auditor teria que ser punido na proporção do dano causado.

No segundo cenário, o auditor fez seu trabalho de boa fé, mas de forma inefetiva, sem ter feito os procedimentos da melhor forma. Seria um caso de culpa, em que, na visão do Ibracon, o auditor deve ser responsabilizado por erro profissional, mas não em igual proporção ao administrador.

Por fim, a terceira hipótese é o auditor ter feito seus testes exatamente como ditam as normas da profissão, com rigor, e ainda assim não ter identificado problemas. Segundo Coelho, como as auditorias trabalham com critérios de relevância financeira (materialidade) e testes estatísticos, e não vasculham integralmente os balanços, é possível que uma “auditoria perfeita” não identifique uma diferença patrimonial relevante se ela estiver fora da amostra testada. “Nesse caso a pena deveria ser próxima de zero”, diz.

O presidente do Ibracon compara o último caso ao de um médico que aplica procedimentos corretos para tentar salvar um paciente, mas ele morre. “O médico não vai ser penalizado por isso. Caso contrário, você acaba com a profissão”. Para Coelho, sem analisar os papéis de trabalho do auditor, é difícil dizer em qual das três categorias o caso se encaixa.

O especialista diz que ajustes contábeis em bancos costumam ter impacto relevante no balanço porque o segmento que trabalha com um nível de alavancagem bastante elevado, com os ativos totais equivalendo a mais de dez vezes o patrimônio.

Ele diz que os auditores costumam usar uma fração de no máximo 5% do patrimônio da instituição para determinar quantas e quais contas serão testadas. Feito isso, os auditores selecionam todos os saldos contábeis que têm valores acima dessa cifra e aplicam os testes por amostragem, a fim de ter segurança razoável sobre o universo. “As contas não testadas representam mais do que o patrimônio líquido. Mas essa é a metodologia aceita”, diz.

Ainda que não tenha pedido a produção de provas para tomar sua decisão, o juiz Miguel Ferrari Júnior citou relatório do BC sobre o caso, que menciona que os auditores constataram falta de provisões para perdas com inadimplência e que tinham conhecimento sobre procedimento incorreto de reconhecimento de receitas, sem apontar isso nos pareceres sobre os balanços de junho de 2011 e dezembro de 2011. A KPMG, contudo, não foi ouvida pelo Banco Central no processo.

Um dos pontos que devem ser levantados é que não se deve comparar o patrimônio líquido atestado na data do último balanço auditado, de dezembro de 2011, de R$ 747 milhões, com o rombo bilionário identificado na época da intervenção feita pelo Banco Central, em outubro de 2012, e na data da liquidação extrajudicial, em junho de 2013.

Fonte: Valor Econômico