Conteúdo Jurídico

13 de junho de 2017

O compliance tributário no âmbito do combate à corrupção

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por Tatiana Maschietto Pucinelli

Para muito além da modernização do cumprimento das obrigações acessórias transmitidas pelos contribuintes às autoridades fiscais, o Sistema Público de Escrituração Digital – SPED (o “Big Brother fiscal”) tem hoje papel fundamental na demonstração da transparência, da conformidade e da integridade patrimonial da empresa, especialmente nos seus vieses tributário e contábil.

Instituído em 2007, o SPED tem como núcleo central a unificação das atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação dos registros contábeis e fiscais, com intuito, declarado pela Receita Federal, de reduzir o custo para o contribuinte, otimizar a qualidade da informação e, principalmente, sofisticar os meios de fiscalização. Dessa forma, a solução de TI utilizada pelas autoridades tributárias é elemento essencial à divulgação da movimentação financeira das empresas, proporcionando a célere identificação dos tributos devidos e recolhidos e, por consequência, também dos ilícitos tributários cometidos. E essas informações são compartilhadas entre a Receita Federal e as administrações tributárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, uma vez que elas são disponibilizadas de modo integrado, uniformizado e automático através das obrigações acessórias eletrônicas cumpridas pelos contribuintes.

Paralelamente ao SPED, e por conta do seu uso, nasceu a terminologia “compliance tributário”, traduzida pela gestão tributária como controles internos para cumprimento das obrigações principais e acessórias, para a transmissão com qualidade das informações financeiras, reduzindo os riscos e os custos frente a fiscalização e autuação do Fisco. Mas, ao se falar em compliance, não pode ser excluída a análise do Decreto nº 8.420, de 2015 que regulamenta a chamada Lei Anticorrupção.

Um dos quesitos fundamentais para um programa de integridade efetivo, capaz de prevenir e remediar atos lesivos à Administração Pública, no âmbito do combate à corrupção, é a adoção de parâmetros que permitam o registro de informações contábeis de modo a refletir a completa e precisa realidade da empresa.

Não apenas a gestão e a prevenção de riscos frente a ilícitos tributários passíveis de autuação pelo Fisco, o compliance tributário deverá também abarcar a análise contábil que traduza as efetivas transações realizadas pela empresa, visando não apenas a critérios preventivos frente a multas e autuações, como, inclusive, a conformidade e transparência das referidas informações.

Nesse contexto, surge a notícia da admissão do Recurso Extraordinário no Habeas Corpus 234.857, que reabre a discussão sobre a possibilidade de órgão interministerial, além daqueles listados na legislação do SPED, solicitar, sem prévia autorização judicial, documentos sigilosos diretamente à Receita Federal.

Assim, apesar do caráter subjetivo que permeia a prestação das informações contábeis, com o julgamento dos profissionais em informar impactos futuros com base em eventos já ocorridos na preparação das demonstrações financeiras, no atual cenário de transparência da informação, a contabilidade criativa com intenção de abusar da interpretação subjetiva das informações deve ser reavaliada com muita atenção e cautela. Isso porque, não apenas o Fisco, com sua intenção de fiscalizar e autuar possíveis inadimplências e irregularidades com respeito ao pagamento de tributos, mas também o Ministério Público, titular dos procedimentos de investigações criminais, tem interesse nos dados transmitidos eletronicamente. Com acesso às informações prestadas no ambiente SPED, poderá o MP justificar sua atuação no combate ao crime organizado, aos crimes de ordem econômica e à improbidade administrativa e de forma ágil e precisa.

Em conclusão, para além do ônus frente ao Fisco, as informações prestadas através do SPED deverão atender os anseios do Ministério Público. Nesse sentido, o trabalho do compliance tributário deve incluir a reavaliação dos controles internos para a elaboração das demonstrações financeiras, com a identificação e a avaliação de riscos, bem como o seu monitoramento e prevenção, feitos pela revisão dos procedimentos de governança corporativa e aplicação, de forma efetiva, do programa de integridade.