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2 de novembro de 2021

Xeque mate: IR (ganho de capital) ou ITBI?

Ano passado (2020), o Supremo Tribunal Federal – STF fixou, a seguinte tese: “imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado” (Tema 796).

Não se pretende aqui criticar – apontar eventuais inconstitucionalidades – a tese fixada pelo STF, e sim analisar os seus impactos práticos, especificamente em relação ao ganho de capital com a transferência do imóvel à pessoa jurídica a qual é sócia.

A Suprema Corte entendeu que há incidência de ITBI no valor do imóvel que exceder o capital social integralizado. Exemplificando: se um imóvel vale R$ 1 milhão e ele é integralizado num capital social de R$ 750 mil, haverá, portanto, a incidência de ITBI (3%) sobre a diferença, sendo exigido o imposto sobre a base de cálculo de R$ 250 mil.

Pelo exemplo acima, já se vislumbra o primeiro problema: para se chegar ao valor do imóvel – o quanto ele vale –, deve-se analisar o seu valor histórico (declarado no IR), o seu valor de mercado, o seu valor venal para fins de IPTU ou o seu valor venal de referência para fins ITBI? Nota-se que é possível analisar o valor de um imóvel sob quatro óticas distintas.

Para complicar mais a vida do contribuinte, o STF não especificou qual valor o contribuinte deve utilizar. Assim, em regra, os municípios utilizam o maior valor como base de cálculo do imposto, sendo este valor utilizado para verificar se o bem excedeu – ou não – o capital social e, com isso, exigir a diferença, se houver.

Nesse contexto, para fugir da tributação, aparentemente, há uma solução simples, qual seja, aumentar o capital social a ser integralizado para este coincidir com o valor do imóvel, sendo aquele entendido como certo pelo município. Volta-se, novamente, ao exemplo acima: se o município entende que a base de cálculo do imóvel é de R$ 1 milhão para fins de ITBI, basta aumentar o capital social também para R$ 1 milhão; afastando, assim, a incidência do referido imposto.

A solução simples, às vezes, é a mais complexa. De fato, foi possível evitar o ITBI, mas não a tributação em si. O valor tido como correto pelo município, para fins de ITBI, é de R$ 1 milhão, mas, no exemplo acima, suponha-se que o valor histórico do imóvel é de R$ 750 mil, conforme informado na declaração do imposto sobre a renda. Nesse sentido, com o aumento do capital social para R$ 1 milhão, o imóvel foi transferido por este mesmo valor para não pagar ITBI, mas também foi transferido por R$ 250 mil a mais do que aquele valor declarado no IR, caracterizando-se, assim, o ganho de capital (15%), já que, para se evitar tal ganho, o valor – e não a quantidade – das quotas subscritas deve ser declarado pelo mesmo valor do bem (imóvel) transferido, inclusive este entendimento é corroborado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ (1).

Ainda que se possa argumentar que a operação de integralização é uma permuta (troca de imóvel por quotas da empresa), aliás, sem torna, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF tem o posicionamento desfavorável (2) no sentido de que, se o permutante declarar o bem recebido por um valor maior do que o dado na permuta, haverá ganho de capital.

Nessa “altura do campeonato”, aquele leitor atento já percebeu o xeque mate do Fisco. Não há como fugir da tributação em si (ganho de capital ou ITBI). Se aumentar o valor do capital social para fugir do ITBI, há ganho de capital; se diminuir o valor do capital social para fugir do IR, há incidência de ITBI. O cenário ideal seria o valor de ITBI coincidir com o valor declarado no IR, assim não haveria qualquer tributação.

Mas há uma luz no fim do túnel, apesar de o município utilizar como base de cálculo o maior valor possível, o Poder Judiciário já se manifestou que o valor da imunidade deve ser limitado ao valor histórico (3) e, além disso, no próprio leading case (caso concreto), o município reconheceu a imunidade pelo valor histórico, sendo, em ambos os casos, a base de cálculo do ITBI, para verificar se há excesso – ou não –, o valor histórico do bem, e não aquele valor (denominado valor venal de referência), muitas vezes discrepante, apontado pelo município como a base tributável.

 

(1) AgRg no REsp 1016766/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 13/03/2009
(2) Acórdão nº 2102-001.909, sessão do dia 16/04/2021, 2ª Seção de Julgamento.
(3) TJSP; Embargos de Declaração Cível 1002522-80.2017.8.26.0650; Relator (a): Ricardo Chimenti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Valinhos – 1ª Vara; Data do Julgamento: 06/06/2019; Data de Registro: 10/06/2019