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13 de julho de 2020

O risco penal dos administradores das empresas

O risco penal dos administradores das empresas

A atividade empresarial, a administração e gestão das empresas e a evolução da governança corporativa, sobretudo nos últimos vinte anos, trouxeram um desafio significativo para o direito, aqui e alhures, no que concerne as responsabilidades imputáveis aos administradores das empresas.

No direito penal, esse desafio é ainda mais relevante vez que a caracterização dos crimes e delitos é muito complexa. No âmbito da common law, a compreensão do ambiente empresarial permitiu a evolução do tema penal empresarial de forma mais significativa tanto na doutrina e, principalmente, nos precedentes judiciais os quais assentaram a aplicação do direito em bases muito mais compreensíveis e seguras. No direito latino-germânico tal evolução é muito díspar dentre os países que adotam esse sistema jurídico, em boa medida explicada pela significativa diferenciação econômica nas diversas jurisdições, bem como, pela ausência de formação sólida da doutrina e jurisprudência. É fato que quanto mais desenvolvido o país, mais consolidado o direito penal empresarial é.

No Brasil o tema é muito desafiador. O nosso subdesenvolvimento capitalista produz efeitos que fragilizam a defesa dos administradores das empresas, seja na esfera administrativa, seja na penal.

Determinada empresa pode ser analisada de vários ângulos, por exemplo, do ponto de vista de seus resultados financeiros e econômicos, muito comum por parte de quem concede crédito ou investe no mercado de capitais. Doutro lado, a entidade empresarial pode ser entendida em relação ao conjunto de seus riscos ou, até mesmo, em vista de determinado risco. Se sabemos que uma empresa é, na essência, um conjunto de ativos que produz resultados, isso significa que tais ativos proporcionam riscos correspondentes aos retornos. A literatura de finanças nos ensina que a relação entre os resultados (ou retornos) e os riscos é um indicador basilar da avaliação de ativos e, com efeito, é uma das representações mais gritantes da qualidade da gestão empresarial.

Para o direito penal esse tema é extremamente relevante. Vejamos.

Os administradores e gestores das empresas são, segundo a lógica acima sumarizada, “administradores e gestores de resultados e riscos”. Por conseguinte, ao assumirem riscos que estão sob a tutela do direito penal, deveriam avaliar a “eficiência” entre tais riscos frente aos resultados esperados. A título de ilustração, a minoração dos controles e políticas de uma empresa em relação ao meio ambiente pode contribuir para o aumento dos resultados econômicos vez que aumenta a produtividade de uma planta industrial. Em contrapartida, o risco de um acidente ambiental também aumenta. Pode-se, assim, ficar caracterizado um ilícito. Observado esse fato do ponto de vista jurídico, como pode ser delimitado se esse risco é aceitável ou cabível do ponto de vista penal por parte dos gestores e administradores da empresa?

Na medida em que o fato acima descrito se insere no ambiente complexo de uma empresa a questão avança em terreno verdadeiramente lodoso do ponto de vista penal empresarial. Como e o quanto um ato comissivo ou mesmo omissivo (próprio ou impróprio) pode atingir os administradores e gestores da empresa, diante de um resultado penalmente relevante e, portanto, punível?

A resposta a essa pergunta não é nada simples, conforme podemos observar.

De todo o modo, resta claro que a existência de um sistema de governança e de compliance (conformidade), robusto em suficiência frente ao porte da empresa, é a condição mais importante para se evitar a ocorrência de ilícitos penais que possam atingir os administradores (conselheiros de administração, membros dos órgãos de governança, diretores etc.), bem como, na defesa penal.

É do compliance e da governança corporativa que surgirão as evidências que permitem a defesa dos administradores vez que essas áreas são responsáveis pela conformidade dos controles, dos padrões de conduta e das políticas que norteiam as atividades empresariais. A fragilidade desses componentes do compliance pode ser a “prova”, juridicamente relevante, para que se retrate perante a Jurisdição a responsabilidade dos administradores.

Finalmente, importante registrar que a maioria dos crimes que ocorrem a partir das empresas tem o caráter omissivo. Ora, nesse contexto, a acusação jurisdicional contra os administradores em relação ao ato criminal pode ser baseada em evidência coletada em relação a ausência de diligência na condução dos negócios empresariais. A inexistência ou falta de robustez do sistema de governança corporativa e compliance é uma das formas mais eficazes para demonstrar perante o juízo a eventual omissão da administração. Essas fragilidades elevam a discussão para o campo do dano eventual, senão para uma culpabilidade criminal ainda mais grave.

Parece-nos que é tempo de se levar em conta esses riscos para os administradores.