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26 de julho de 2022

Relevância: o impacto do novo filtro para recurso especial nas ações tributárias

Após 10 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 209/2012 foi aprovada, promulgada e convertida na Emenda Constitucional (EC) nº 125/2022, a qual foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 15/07/2022.

A norma impõe novo requisito de admissibilidade para o recurso especial (REsp), de forma que, a partir de 15/07/2022, deverá ser suscitada a relevância da questão federal a ser decidida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ nos recursos interpostos.

Assim como o pressuposto da repercussão geral nos recursos extraordinários (RE) para o Supremo Tribunal Federal – STF (instrumento introduzido no ordenamento jurídico pela a EC nº 45/2004), o quesito da relevância requer a demonstração da existência, ou não, de questão de direito federal infraconstitucional relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

O texto da EC elenca as hipóteses em que haverá a presunção de relevância da matéria discutida, quais sejam: (i) ações penais; (ii) ações de improbidade administrativa; (iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos; (iV) ações que possam gerar inelegibilidade; (v) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ e; (vi) outras hipóteses previstas em lei.

No entanto, salta aos olhos as circunstâncias em que o tribunal deverá pressupor que existe relevância no pleito recursal.

Não é novidade que os tribunais superiores estão abarrotados de ações e, por esta razão, criam obstáculos para que os recursos “subam” para análise. Além dos requisitos de admissibilidade previstos na legislação, no STJ os patronos já enfrentam a famigerada Súmula nº 7 (que impede a apreciação do recurso se o julgador entender que o pleito depende de reexame de provas), esbarram na suposta falta de prequestionamento ou lhe é vedado o cotejo analítico da jurisprudência sob argumento de que os casos não são idênticos (situação fática divergente).

Com o novo filtro, agora os recursos enfrentarão o crivo do valor da causa para serem considerados relevantes o suficiente para serem julgados!

Contabilizando-se que 500 salários mínimos correspondem a R$ 606 mil, o requisito beira o absurdo e é discriminatório! Tal exigência afronta os princípios constitucionais da isonomia e da ampla defesa e do contraditório, limitando o acesso à justiça!

Isso porque, discussões em matéria tributária serão tolhidas quando não se tratar de grandes contribuintes! Um contribuinte pessoa física que discutir glosas no seu imposto de renda ou questões atinentes a IPTU, IPVA, ITBI, ITCMD dificilmente chegarão ao patamar considerado “relevante” para análise de recursos.

Empresas de pequeno e médio porte que demandem acerca de obrigações acessórias, temas atinentes ao Simples Nacional, que discutam multas ou questões referentes aos tributos incidentes em suas operações também terão dificuldades em terem seus pleitos examinados pelo tribunal que, em sua função original, deve uniformizar a interpretação da lei federal.

À título de exemplo, o recurso que encabeçou o julgamento da chamada tese do século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS) tinha como valor da causa R$ 200.000,00. Ou seja, pelo novo filtro, o STJ poderia ter afastado a análise do pleito sob o argumento de ausência de relevância!

Ou seja, uma execução fiscal que exige valor superior a 500 salários mínimos tem mais cunho social e é juridicamente mais relevante para o STJ e, teoricamente, para a sociedade, do que Municípios exigindo arbitrariamente ITBI com base no valor venal ao invés do valor da venda do imóvel! Quantos contribuintes não foram prejudicados com tal imposição da Municipalidade e, se o filtro da relevância já existisse, a matéria não teria sido enfrentada pelo tribunal corrigindo essa distorção.

A utilização de valor da causa como parâmetro do novo pressuposto de admissibilidade é incongruente com a realidade tributária do país, podendo afastar a discussão de importantes temas e o aprimoramento do sistema.

Ademais, abre-se a temerária possibilidade do Fisco aproveitar-se dessa janela de oportunidade para exigir exações ilegais garantindo-se no fato de que os recursos dos contribuintes dificilmente serão revistos pela Corte, até então, chamada “da Cidadania”.

É importante observar que os julgados de primeira e segunda instância em matéria tributária muitas vezes são falhos, superficiais, equivocados e divergentes entre os tribunais. Isso se dá porque os magistrados não foram preparados para análises de casos tributários, seja devido à complexidade da legislação, ou em razão da necessidade de análise de documentos muito específicos, como obrigações acessórias, documentos contábeis e societários, o que não é ensinado nas cadeiras da faculdade e tão pouco, no curso de formação.

Sendo assim, os contribuintes ficarão à mercê de decisões conflitantes, com premissas equivocadas e que não poderão ser reavaliadas em instância superior, onde, na verdade, se busca a senioridade dos ministros para debate de questões complexas, que não se curvem aos apelos orçamentários da Fazenda.

Considerando que o texto da EC ainda inclui “outras hipóteses previstas em lei” entre as possibilidades em que há presunção da relevância, aguardamos a regulamentação por lei, a qual deverá trazer mais detalhes sobre o pressuposto da relevância, assim como a Lei nº 11.418/2016, que rege a repercussão geral.

Por fim, é importante ressaltar que até que venha a normatização, devemos reservar um tópico no recurso especial para discorrer sobre a pertinência econômica (fiscal), política, social ou jurídica da matéria, buscando convencer os magistrados da relevância da discussão, para não dependermos dos demais filtros trazidos pela EC.