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3 de fevereiro de 2025

A reforma tributária não encontrará uma tábula rasa

Por: Edison Fernandes

Durante muito tempo, os cientistas acreditavam que as crianças seriam como tábulas rasas: sem nenhum conhecimento prévio, absorveram o que se ensinasse para elas. Com o desenvolvimento das pesquisas, especialmente em biologia e psicologia, descobriu-se que a criança recém-nascida traz uma grande carga de “conhecimento”, representado pela formação genética e pelos instintos. Dessa forma, o conteúdo ensinado às crianças já encontra um terreno cultivado, especialmente pelas experiências desde o útero e pelas experiências da espécie passadas geneticamente.

Uso esta brevíssima história da ciência como metáfora para a implementação da reforma tributária, trazida pela Emenda Constitucional 132 e regulamentada pela Lei Complementar 214. Sem dúvida, haverá uma significativa mudança na estrutura tributária sobre o consumo no Brasil, porém, a reforma tributária tampouco encontrará uma tábula rasa.

Já escrevi mais de uma vez que considero a neutralidade o ponto mais importante da reforma tributária. A neutralidade deve ser entendida como a redução da importância do impacto tributário para a tomada de decisão; no âmbito dessa neutralidade, a questão prática mais relevante é a ampliação da não cumulatividade: todas as compras de bens, serviços e direitos transmitirá crédito fiscal para que a empresa compense os seus tributos devidos.

Acontece que já conhecemos a não cumulatividade há muito tempo. Embora “imperfeita”, a não cumulatividade tributária já é observada na apuração do IPI (a ser extinto), de PIS/COFINS (a serem extintos) e do ICMS (a ser substituído pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS). Contamos, por um lado, com a “experiência genética” dos tributos do tipo sobre o valor agregado – IVA. Temos o entendimento teórico, a prática doméstica e a prática internacional para nos “ensinarem” como apurar os novos tributos criados pela EC 132 (Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS e o citado IBS). Além disso, temos vasta “experiência jurisprudencial”, isto é, dos precedentes em julgamentos administrativos e judiciais da matéria tributária. Aliás, o texto da Lei Complementar 214, que regulamenta a reforma tributária, está repleto de “legalização” de entendimentos jurisprudenciais.

Enfim, a implementação da reforma tributária, conquanto vultosa, não partirá do zero. Sempre poderemos recorrer às nossas “experiências” tributárias – que não são poucas e são ricas.