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30 de junho de 2025

A geopolítica caminha com (ou contra) a integridade?

Por Francisco Petros e Bárbara Peixoto


O governo americano, por meio da ordem executiva 14209, suspendeu temporariamente a
aplicação do Foreign Corrupt Practice Act (FCPA), legislação pioneira e referência no combate à corrupção transnacional desde a década de 1970. A medida impôs ao Department of Justice (DOJ) a suspensão de 180 dias para a abertura de novos casos, assim como a reavaliação de investigações já em curso, e se justificaria, principalmente, pela proteção da competitividade das empresas americanas.

Já o recente memorando emitido pelo Deputy Attorney General trouxe, em complementação, os novos critérios para a aplicação, concentrando-se em alguns eixos principais: i) o combate à corrupção associada a cartéis e organizações criminosas transnacionais; ii) a garantia de competitividade para empresas americanas; iii) a preservação dos interesses nacionais e de ativos estratégicos, e iv) desconsideração de condutas rotineiras ou de baixo valor. 

O movimento representa significativa mudança no enforcement do FCPA, que se consolidou como mais do que um dispositivo normativo. Suas métricas delinearam os padrões de integridade corporativa globais, ao criarem uma régua ética para negociações nos mercados internacionais. Inspirou, também, diversas outras legislações anticorrupção pelo mundo, como o UK Bribery Act (2010), do Reino Unido, e a própria legislação brasileira, a Lei nº 12.846/2013. 

Embora com natureza temporária, a posição adotada pelo governo dos Estados Unidos reflete um redirecionamento daquele enforcement, agora flexibilizado para atender a interesses político-econômicos estratégicos, e que acaba por introduzir um elemento de incerteza no sistema global de compliance, ameaçando décadas de progresso.

De outro lado, na ainda recente trajetória brasileira, a Lei Anticorrupção, de 2013, se destaca como principal marco de combate à corrupção, ao instituir a responsabilização objetiva, nas esferas administrativa e cível, de pessoas jurídicas que pratiquem atos lesivos contra a administração pública, tanto nacional quanto estrangeira. Embora, ainda em fase de amadurecimento, os padrões de integridade corporativa, além de exigência para certos ambientes de atuação, estão se consolidando como possíveis diferenciais competitivos, capazes de gerar valor às empresas. 

Critérios para responsabilização e estímulos à implementação voluntária de medidas de ética e integridade em empresas privadas estão sendo fomentados, a exemplo da Portaria nº 155/2024 da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Programa Empresa Pró-Ética. Estudos preliminares indicaram, inclusive, aparentes melhorias nos indicadores de retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de empresas com selo Pró-Ética

Nos Estados Unidos, O FCPA representa um modelo consolidado e de referência global no combate à corrupção. O Brasil, ainda em fase de amadurecimento, avança na consolidação de uma cultura de integridade. Tais diferenças evidenciam não apenas estágios distintos de maturidade normativa, mas acendem alertas para os riscos de um enforcement cada vez mais orientado por dinâmicas geopolíticas, e que gera preocupações e incertezas na atuação empresarial. 

E é por isso que, apesar do cenário de incerteza, a capacidade das organizações em internalizar os princípios de integridade e de adotar critérios de governança como premissa, deixam de ser meros diferenciais, mas se tornam, em ambientes regulatórios globais cada vez mais dinâmicos e sensíveis, condições essenciais à sustentabilidade e à perenidade dos negócios.  Não é hora de enfraquecer, mas de assumir as rédeas da própria conformidade.