Conteúdo Jurídico

16 de setembro de 2025

Associações, futebol, vigilância e euforia

Por: Edison Fernandes e Jorge Ferreira

Com a edição da Lei nº 14.193, de 2021, foi criado um tipo societário com o intuito de reestruturar a exploração do futebol no cenário brasileiro, a Sociedade Anônima do Futebol – SAF, que se destaca frente às associações por deter mecanismos de governança corporativa mais assertivos do que as associações, sendo a governança “um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral”.

Paralelamente aos mecanismos de governança para a SAF, há um dever de vigilância dos seus acionistas, principalmente os minoritários, que, no caso da SAF decorrente de uma associação, tendem a ser esta. E, esse dever pode ser ampliado para a atuação da própria associação na sua função de fiscalização, isto é, cabe à estrutura interna das associações dispor de medidas de governança para que a associação não negligencie o seu dever de fiscalização.

Recentemente, esse conjunto de responsabilidades foi sobressaltado quando se noticiou o conflito de sócios de uma sociedade brasileira integrante de uma estrutura de multi-club ownership – MCO, contexto no qual foi publicizado o acordo de acionistas – até então confidencial – firmado entre a associação e o investidor da SAF.

Nesse acordo, duas obrigações do investidor chamam a atenção, em razão de ambas configurarem uma combinação de competitividade esportiva e precaução financeira: obrigação do investidor referente ao orçamento e obrigação do investidor por endividamento.

Enquanto a primeira prevê uma garantia de, por exemplo, gastos mínimos com folha (pessoal do futebol profissional) na ordem de R$ 100.000.000,00 entre os anos de 2022 e 2028, a segunda apresenta limites de endividamento da companhia, isto é, o máximo de obrigações/passivo que a sociedade pode deter. 

As obrigações por endividamento se bipartem em (i) limites para o período do pagamento das parcelas de investimento prometidas pelo investidor e (ii) limite para o período seguinte ao pagamento dessas parcelas. Para o primeiro período, as obrigações da companhia devem (i.i) se limitar ao total da receita (líquida ordinária) obtida pela exploração do futebol, nos 12 meses anteriores, exceto as decorrentes da alienação (venda) de imobilizado e intangível e descontados os tributos, ou (i.ii) se se limitar a percentuais anualmente crescentes (50% a 100%) dessa receita. E, para o segundo, o limite é o dobro da receita líquida ordinária dos doze meses anteriores.

Ocorre que, em meio ao sucesso desportivo da sociedade, nenhuma das métricas de endividamento referentes ao período de pagamento das parcelas de investimento foi observada, de modo que se pôs em xeque a existência de efetiva fiscalização do acionista minoritário sobre a gestão da companhia, o que se contrapõe à euforia decorrente do sucesso desportivo alcançado – obtido em meio a uma política agressiva de alavancagem/endividamento.

Dessa forma, em meio ao conflito entre os deveres das associações e sua euforia, é necessário garantir um mecanismo que assegure o efetivo exercício do dever de vigilância sobre a gestão da SAF, sob pena de se regredir ao cenário que deu origem à sua criação.