
Desconsideração da personalidade jurídica: credores podem sair devedores
Por: Bruno Maglione e Marjorie Helvadjian
A personalidade jurídica é um dos pilares do Direito Empresarial. Criada para diferenciar o patrimônio da empresa daquele de seus sócios, ela garante segurança e previsibilidade à atividade econômica. Por meio dessa separação, os riscos do empreendimento se restringem à pessoa jurídica, protegendo o patrimônio pessoal dos empreendedores.
Contudo, quando essa autonomia é usada de forma abusiva, o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, conforme o artigo 50 do Código Civil. A medida pode ser adotada quando houver desvio de finalidade ou confusão patrimonial, permitindo que o credor atinja diretamente o patrimônio dos sócios ou administradores.
Esse mecanismo é formalizado através do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. Trata-se de um procedimento dentro do processo principal, que garante o direito de defesa dos sócios antes que seus patrimônios sejam atingidos. Pode ser instaurado pelo credor ou pelo Ministério Público, desde que presentes os requisitos legais.
Na prática, o IDPJ se consolidou como ferramenta essencial para combater fraudes e viabilizar a satisfação do crédito. Quando a empresa é utilizada como escudo para ocultar bens, ou quando os sócios misturam seu patrimônio com o da empresa, o incidente permite responsabilizar quem efetivamente se beneficia da confusão. Há, ainda, a possibilidade do IDPJ inverso, quando se busca atingir a pessoa jurídica por dívidas dos sócios.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu, por maioria, que é cabível a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese de rejeição do pedido de desconsideração da personalidade jurídica. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2.072.206/SP, consolidando o entendimento de que, mesmo sendo um incidente processual, o IDPJ possui natureza de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido específico, o que justifica a aplicação do princípio da sucumbência.
Apesar disso, observa-se que a maioria das decisões de primeira e segunda instância ainda não aplica honorários sucumbenciais em casos de improcedência do IDPJ. Essa disparidade gera insegurança jurídica, especialmente para credores que consideram utilizar o incidente como meio de satisfação de seu crédito. Diante disso, muitos credores têm hesitado em optar pelo IDPJ, temendo que, mesmo sendo parte lesada, sejam condenados a pagar honorários elevados em caso de improcedência do IDPJ.
O tema apresenta diferentes facetas. Para a advocacia, a condenação em honorários pode ser um avanço: garante remuneração pelo trabalho na defesa de sócios indevidamente incluídos no polo passivo. Por outro lado, para o credor, especialmente em execuções complexas, o risco de sucumbência pode inviabilizar o uso do IDPJ como ferramenta de recuperação de créditos.
O uso do incidente segue sendo estratégico e, por vezes, imprescindível, mas seu manejo exige análise realista e preventiva dos potenciais desdobramentos jurídicos e riscos financeiros. Do contrário, o que era uma tentativa de satisfação do crédito pode acabar gerando um novo passivo.
