
Insegurança jurídico-tributária e seus autores
Por: Edison Fernandes e Jorge Ferreira
Há um consenso de que a insegurança jurídica na seara tributária paira na relação entre Fisco e contribuintes, mas pouco se reflete sobre o papel de todos os participantes desse contexto – ou, melhor, autores, dado que as ações tomadas ao longo de anos o foram voluntariamente.
Nesse sentido, vale trazer o – sempre didático e exemplificativo – caso da “tese do século”, ou seja, a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Durante a década de 1970, a doutrina dissertava que o conceito de receita envolvia um ingresso – o que foi confirmado pelo STF décadas após no julgamento do RE 606.107 –, mas nem todo ingresso representava uma receita, na medida em que entradas tinham caráter transitório, diferentemente da efetiva receita, embora já houvesse legislação que computasse impostos incidentes sobre a venda (caso do ICMS) na receita bruta da pessoa jurídica (Decreto-lei nº 1.598).
Na década seguinte, foi editada a Constituição da República de 1988, que, após algumas emendas, passou a prever tanto a receita quanto o faturamento como materialidades tributáveis, embora não houvesse – e ainda não há – qualquer definição expressa no texto a respeito dessas materialidades.
Já na década de 1990 foram editadas as leis que instituíram a contribuição ao PIS (Lei nº 9.715) e a COFINS (Lei nº 9.718) na modalidade cumulativa, mesma década em que chegou ao STF a primeira discussão a respeito da inclusão daquele imposto na base de cálculo dessas contribuições (RE 240.785).
No início dos anos 2000, foram editadas as leis do regime não cumulativo da contribuição ao PIS (Lei nº 10.637) e da COFINS (Lei nº 10.833). Na década seguinte, foi reconhecida a inconstitucionalidade da inclusão do imposto na base das contribuições (RE 240.785 e RE 574.706), o que gerou para muitos contribuintes o direito à repetição do indébito, embora tenham enfrentado bastante resistência para definir o valor do crédito ao qual teriam direito (Solução de Consulta Interna COSIT nº 13).
Após quase duas décadas, a tese foi firmada, com a formação para cada contribuinte que levou a discussão ao Judiciário de um crédito passível de compensação, que, a partir de 2024, teve sua utilização, nos casos superiores a R$ 10.000.000,00, diferida por até 5 anos (Lei nº 14.873).
E, em 2025, o STJ deu início à revisão do seu entendimento para estabelecer que, ao invés de gozar de um quinquênio para dar início à repetição do crédito a partir do trânsito em julgado, o contribuinte deve nesse prazo iniciar e finalizar a repetição do crédito tributário (REsp 2.178.201).
Da narrativa acima, pode-se ver que tanto contribuintes quanto os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo têm alguma parcela na formação do atual cenário, na medida em que, em síntese, formula-se um raciocínio contrário à disposição expressa da lei, mas potencialmente conforme as diretrizes constitucionais, que, após décadas, é validado judicialmente e demonstra as violações cometidas ao se cobrar tributos em valor superior ao devido/correto, o que forma um crédito ao contribuinte, cujo uso enfrenta resistências administrativas, limitações legais posteriores à sua formação e mudanças de entendimento consolidado por anos.
Num contexto de reforma tributária, dois destinos se mostram aparentemente possíveis: uma maturidade ainda não observada é desenvolvida e consolidada, a fim de melhorar o sistema tributário, ou começa-se uma nova corrida para a formação de uma nova tese do século.
