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2 de setembro de 2025

Limites à elaboração e à interpretação da norma tributária

Por: Edison Fernandes e Jorge Ferreira

Basilar para os tribunais, os doutrinadores, os profissionais e a Administração Pública é a noção de que tanto a elaboração quanto a interpretação da norma tributária encontram limites, que se encontram dispostos por todo o sistema jurídico, que transborda dos textos de lei e chega aos tribunais.

Dentre esses limites, pode-se citar, quanto à elaboração de normas, o possível estabelecimento de presunções, que não podem se transformar em ficções. Nesse sentido, vale trazer o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ sobre o tema: “se a pauta fiscal diz que tal mercadoria vale 1000 e isso é sabidamente certo, ou pode ser provado certo, trata-se de presunção; ao contrário, se o que a pauta diz é sabidamente falso, é de ficção que se trata.” (RMS 13.294).

Já no que tange à interpretação, é possível apresentar a analogia e a equidade, dispostas no artigo 108, do Código Tributário Nacional – CTN. Enquanto a analogia não pode resultar na cobrança de tributo não previsto em lei, a equidade veda a dispensa do pagamento do tributo devido. Em outras palavras, são duas faces da mesma moeda, na medida em que, se não se pode cobrar sem previsão legal, não se pode eximir sem previsão normativa.

Ocorre que, recentemente, a Receita Federal apresentou entendimento que parece relativizar esses limites, uma vez que, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 149, de 18 de agosto de 2025, estabeleceu que “[o] montante representado pelo valor dos bens recebidos a título de patrocínio deve integrar a receita mensal para fins de apuração d valor do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela SAF.”.

Apesar de reconhecer que as Sociedades Anônimas do Futebol – SAFs estão sujeitas ao regime de Tributação Específica do Futebol – TEF, no qual a sociedade deve observar o regime de caixa, “para afins da apuração da receita mensal, que será base de cálculo para o pagamento mensal e unificado dos tributos por ela devidos”, foi estabelecida uma relação que flutua entre a ficção e a analogia.

Isso porque, sendo o patrocínio “fonte de recursos”, nos termos do artigo 56, da Lei nº 9.615, de 1998, os valores correspondentes a “materiais esportivos, alimentos, dentre outros bens distintos de dinheiro/pecúnia” devem ser contabilizados como receita e, consequentemente, “integrar a receita mensal para fins de apuração do pagamento mensal e unificado dos tributos devidos pela SAF.”.

Se a Lei nº 14.193, de 2022, ao estabelecer o TEF, não poderia “presumir” como receita realizada em caixa recursos de patrocínio que não fossem moeda, sob pena de criar uma ficção, é certo que a Receita Federal, ao interpretar essa norma, não poderia equiparar o que não é moeda ao dinheiro, sob pena de se tributar por analogia.

É dizer, seja sob a ótica da elaboração da norma, seja sob a ótica da sua interpretação, a solução proposta à consulta formulada viola os limites aos quais a própria Receita Federal deve(ria) estar adstrita, o que acende um sinal de alerta para as SAFs em relação a todas as receitas por si auferidas, independentemente de sua realização em caixa, de sorte que o intuito de simplificação inerente ao regime parece começar ser relativizado pelo órgão que deveria zelar por esse norte.