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30 de julho de 2024

O contencioso administrativo na reforma tributária

Por: Thais Françoso

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que buscou a simplificação do sistema tributário nacional com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS (competência estadual e municipal) e da Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS (competência federal), muito se tem discutido sobre os impactos dessas mudanças sobre as operações das empresas.

Um ponto que merece atenção e que consta dos Projetos de Lei que hoje tramitam no legislativo (PLP 68/2024 e PLP108/2024) é a regulamentação do contencioso administrativo dessa nova sistemática.

O Projeto de Lei Complementar – PLP nº 108/2024[i], por exemplo, regulamenta o Comitê Gestor do IBS – CG-IBS (que será responsável por definir diretrizes e coordenar a administração e a atuação dos entes fazendários – estados, DF e municípios) e disciplina o processo administrativo tributário no âmbito do IBS. De maneira bastante positiva, o projeto uniformiza a norma processual administrativa de todos os estados e municípios do país, o que não acontecia no regramento anterior do ICMS e ISS, já que cada estado e cada município regulamentavam seu próprio processo administrativo, de forma independe (prazos, forma de intimação, tipos de recurso etc).

No tocante à fiscalização, um ponto merece atenção: em sendo o IBS um tributo de competência compartilhada (entre estados e municípios), nos termos do referido PLP 108/2024, cada ente federativo poderá fiscalizar e lançar os valores relativos ao IBS, o que aumenta o número de entes fiscalizadores.

É fato que o projeto define que, nos casos em que houver dois ou mais entes federativos interessados na fiscalização (mesmo período, mesmo sujeito e mesmo fato gerador), o procedimento deverá acontecer de forma conjunta e integrada, cabendo ao Comitê Gestor regular a gestão dos trabalhos. No entanto, vale lembrar que o local do fato gerador do IBS é o do destino, portanto, no caso de uma empresa contribuinte que mantenha operações em todo o território nacional, esta poderá estar sujeita à fiscalização de todos os entes fazendários (municípios e estados) nas localidades que remeter suas mercadorias ou serviços.

Esse cenário exige um cuidado dobrado no cumprimento de obrigações, tanto principais, quanto acessórias, exatamente para evitar contenciosos em múltiplas localidades, o que certamente aumenta o custo de gestão dos processos administrativos e, eventualmente, judiciais.

Em que pese todo o esforço de regularidade, estará o contribuinte ainda sujeito a distintas interpretações acerca da legislação do IBS, o que também aumenta o risco de (não) conformidade, já que cada ente fiscalizador ou cada uma das 27 Câmaras de julgamento (compostas por membros do estado e municípios relacionados) poderão ter interpretações distintas sobre as regras do IBS. 

O PLP 108/2024, acertadamente, cria Câmaras de uniformização no âmbito do Comitê Gestor para o IBS. Entretanto,  até que sejam fixados entendimentos vinculantes, os contribuintes terão que gerir esses múltiplos contenciosos, nas mais diversas localidades, sob as mais variadas interpretações. 

Vale ainda lembrar que o PLP 68/2024[ii], que regulamenta o IBS e a CBS, trouxe as mesmas regras gerais para estes tributos (fato gerador, sujeitos, local de tributação, etc.). Todavia, o contencioso administrativo desses tributos será feito de forma segregada, o primeiro no âmbito da Secretaria da Receita Federal (DRJ e CARF) e o segundo sob coordenação do Comitê Gestor, o que também poderá gerar divergência na interpretação dessas novas regras.

Sobre esse ponto, o PLP 68/2024 cria Fóruns e Comitês para harmonizar as regras e entendimentos no tocante à CBS e ao IBS, mas sabemos que, se a fixação desses entendimentos não acontecer de forma rápida e eficiente, novamente teremos um ambiente de dúvidas e incertezas para os contribuintes, refletindo em cenários conflituosos, com infindáveis contenciosos, que é o que vemos hoje na relação entre fisco e contribuinte.

A tarefa não é fácil: para alcançar a almejada simplificação do sistema tributário, como pretendeu a Emenda Constitucional 132/2023, respeitando a autonomia de cada ente federativo, é preciso também simplificar o contencioso administrativo tributário do IBS e da CBS. O momento é agora, a nova regulamentação precisa trazer soluções para os litígios de forma eficiente, ágil e integrada, para que não sejam repetidos os erros do passado, garantindo legalidade e segurança jurídica para toda a estrutura tributária.

 

[i] O PLP 108/2024 aguarda votação na Câmara dos Deputados
[ii] O PLP 68/2024 já foi aprovado na Cãmara dos Deputados e aguarda hoje apreciação no Senado Federal.