
Reforma tributária e reestruturação societária: o momento de planejar é agora!
Por: Edison Fernandes e Nathalia Reis
A entrada em vigor da Lei Complementar nº 214, de 2025, que regulamentou a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, inaugura uma nova fase no sistema tributário brasileiro.
Após décadas de fragmentação, sobreposição de competências e complexidade normativa, o país se prepara para a substituição gradual de cinco tributos — PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS — pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Ainda que o propósito da reforma seja a simplificação e a transparência, o novo modelo traz uma consequência inevitável: a necessidade de revisão das estruturas societárias, contratuais e operacionais.
Em outras palavras, a transição para o regime do IBS e da CBS não se resume à atualização de sistemas fiscais; ela exige repensar como as empresas estão organizadas, onde operam e de que forma se relacionam juridicamente entre si e com o fisco.
“A partir da reforma, eles passam a ser cobrados por fora, serão destacados na nota fiscal. Então as empresas têm que ter uma visão um pouco mais estratégica e não só técnica em relação à precificação dos produtos.”¹
A adoção da tributação pelo destino — em substituição à origem — e a criação de um regime não cumulativo amplo alteram profundamente a lógica de formação de preços, o fluxo de caixa e a relação entre matriz, filiais e empresas coligadas.
Empresas estruturadas com base em modelos de segmentação regional ou setorial — muitas vezes voltados à otimização tributária dentro do sistema atual — precisarão avaliar se essas configurações continuarão eficientes.
A nova sistemática tende a neutralizar distorções e redefinir a competitividade entre Estados e Municípios, exigindo um mapeamento criterioso das cadeias produtivas e de prestação de serviços.
Além disso, o novo modelo poderá impactar operações entre partes relacionadas, joint ventures e holdings, que deverão ser revisitadas para garantir coerência jurídica, eficiência fiscal e conformidade com os princípios da reforma.
Mais do que uma alternativa de reorganização, a reestruturação societária desponta como o principal instrumento de planejamento tributário preventivo.
A adequação das estruturas empresariais às novas regras possibilita a mitigação de riscos, a otimização de créditos e a antecipação de potenciais conflitos interpretativos — especialmente em um período em que a regulamentação ainda será testada na prática.
A experiência brasileira demonstra que a ausência de planejamento prévio costuma custar caro: divergências de interpretação, bitributação e judicialização são consequências recorrentes da implementação apressada de reformas. No novo contexto, tais riscos se ampliam, dada a coexistência temporária de dois sistemas — o antigo e o novo — até a consolidação definitiva do IBS e da CBS.
Reestruturar-se agora é, portanto, um ato de prudência, estratégia e eficiência. As empresas que se anteciparem à plena vigência do novo modelo estarão em posição mais favorável para ajustar contratos, precificar produtos, reorganizar fluxos internos e reduzir contingências futuras.
“[…] O tributo sempre foi considerado — e obviamente continua sendo — um tema técnico, né, para especialistas mesmo. […] Com a reforma, deixa de ser exclusivamente técnico e passa a ser estratégico”²
Ignorar os reflexos da reforma tributária sobre a estrutura societária é abrir espaço para o mesmo ciclo de contenciosos que hoje representa um dos maiores gargalos econômicos do país.
O Brasil acumula um passivo contencioso tributário equivalente a 75% do PIB — reflexo direto de lacunas legislativas e interpretações divergentes entre fisco e contribuintes.
A ausência de planejamento tende a reproduzir o problema em novo formato. Disputas sobre o creditamento, a cumulatividade e a aplicação das regras de transição podem se tornar o “novo contencioso do século”, sobretudo se as empresas mantiverem estruturas societárias complexas, criadas sob a lógica de um sistema que está prestes a deixar de existir.
O processo de adaptação exige uma atuação integrada entre as áreas jurídica, contábil, financeira e estratégica das empresas.
[…] Revisar a forma societária da empresa, revisitar as cláusulas – principalmente em relação à precificação e a prazos – e tirar a máscara do tributo para mostrar o quanto que ele é importante para todas as áreas e como que é importante ter a integração de todas as áreas para que a reforma flua e que as pessoas consigam se integrar aí, trazendo menos impacto possível.”³
Revisar contratos, reavaliar centros de custos, consolidar operações sob uma única pessoa jurídica, mapear cadeias de valor são medidas que devem ser analisadas sob o prisma da eficiência e da segurança jurídica.
A reforma tributária representa um divisor de águas. As empresas que agirem agora sairão na frente, com estruturas mais enxutas, conformes à nova legislação e preparadas para enfrentar a concorrência em um ambiente tributário menos fragmentado e mais transparente. Aquelas que aguardarem correm o risco de realizar ajustes de emergência em meio à transição — sob custo elevado, risco jurídico e incerteza operacional.
“A perspectiva é que a gente tenha um impacto parecido com o que foi com o plano real. As empresas vão ter que se adaptar e aquelas que não conseguirem se adaptar vão acabar saindo do mercado.”4
A LC nº 214/2025 inaugura um novo paradigma de tributação no Brasil. Mais do que uma mudança de tributos, trata-se de uma mudança de lógica — e, como toda transformação estrutural, ela premia quem se antecipa.
Reestruturar-se agora é investir em previsibilidade, segurança e competitividade. A reforma tributária não é apenas um desafio jurídico: é uma oportunidade estratégica para construir empresas mais sólidas, transparentes e preparadas para o futuro.
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