Conteúdo Jurídico

22 de julho de 2025

Responsabilidade solidária na Lei Anticorrupção: novo alerta do STJ para grupos empresariais

Por: Francisco Petros e Rosana Silva

“Empresas que integram conglomerado societário podem responder solidariamente por crimes previstos na Lei Anticorrupção.” Essa foi a conclusão da 1ª Turma do STJ ao julgar o Recurso Especial nº 2.209.077.

Segundo o voto do relator, Ministro Paulo Sérgio Domingues, basta a prática ou a perpetuação de um ilícito durante a vigência da Lei nº 12.846/2013 para atrair a responsabilização solidária, independentemente da data de constituição ou transformação societária — ainda que anterior à norma. Além disso, o §2º do art. 4º, segundo ele, amplia intencionalmente o alcance da responsabilidade solidária, a fim de evitar lacunas e impedir o uso estratégico de estruturas empresariais para diluir responsabilidades ou frustrar sanções.

O precedente reforça a abrangência da solidariedade objetiva prevista na Lei Anticorrupção, que responsabiliza empresas por atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, tanto na esfera administrativa quanto civil. Diferentemente da desconsideração da personalidade jurídica — que exige prova de fraude, confusão patrimonial ou abuso — a solidariedade aqui independe de dolo ou má-fé. Basta a existência de vínculo societário e a obtenção de benefício econômico, ainda que indireto.

A leitura integrada do artigo 4º e de seus parágrafos (da Lei nº 12.846/2013), reflete a intenção do legislador em proteger a administração pública, bem jurídico tutelado pela norma — compreendidos seus princípios e o patrimônio público — e em estabelecer mecanismos de responsabilização e reparação por eventuais prejuízos, especialmente de natureza financeira. Por essa razão, prevê-se que a responsabilidade da pessoa jurídica subsiste mesmo após alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária — sendo que, nas hipóteses de fusão e incorporação, tal responsabilidade se limita ao patrimônio transferido. Além da previsão de responsabilidade solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico — controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas — que também visa assegurar a reparação integral do dano e o pagamento da multa aplicável.

Nesse contexto, a implementação de processos rigorosos de enhanced due diligence (due diligence aprofundada), desde a fase pré-contratual até o encerramento das obrigações torna-se imprescindível para identificar potenciais riscos financeiros e reputacionais decorrentes de envolvimentos societários, especialmente quando há associação com empresas potencialmente expostas a atos lesivos à administração pública. O conceito de KYP (do inglês Know Your Partner) assume esse papel estratégico de avaliação dos parceiros contratuais, o que pode incluir histórico reputacional, vínculo com pessoas politicamente expostas (PEPs), sanções anteriores e fragilidades nos controles internos.

Além das análises prévias e periódicas, o suporte jurídico e de compliance é indispensável para oferecer um olhar estratégico e identificar a necessidade de cláusulas contratuais específicas, como auditorias pós-contratuais, mecanismos de indenização e escrow accounts (contas vinculadas). Tais medidas, embora não afastem a responsabilidade solidária, evidenciam diligência e contribuem para a identificação e mitigação de potenciais riscos. 

A responsabilização solidária prevista na Lei Anticorrupção impõe um dever contínuo de diligência ampliada, especialmente em estruturas societárias complexas, o que exige o fortalecimento da governança, com política de integridade independente e controles internos eficazes, aptos a evitar o efeito cascata de sanções entre empresas do mesmo grupo. Considerando que reorganizações formais ou a interposição de terceiros não afastam a responsabilidade objetiva no âmbito da Lei, é cada vez mais necessário que a alta administração lidere com ética e visão estratégica e promova uma cultura de integridade, com avaliação prévia de riscos e monitoramento constante das relações institucionais e comerciais.