Conteúdo Jurídico

9 de dezembro de 2024

Update sobre os efeitos da mora

Por: Elisa Figueiredo e Victória Soranz

Em junho de 2024, exploramos no artigo “Como ficará a correção das dívidas civis com o Novo Código Civil?”1 o anteprojeto de alteração legislativa, que incluía, entre outras mudanças, a proposta de revisão do artigo 406 do Código Civil de 2002.2

A proposta de alteração surgiu como uma tentativa de modernizar o ordenamento jurídico brasileiro e aumentar a segurança nas relações civis e comerciais. Desde a entrada em vigor do atual Código Civil, o referido artigo gerou controvérsias quanto à taxa aplicável aos juros de mora quando não há previsão contratual e desde então duas interpretações se consagraram: a primeira defendia a aplicação de juros de 1% ao mês, com base no artigo 161, §1º, do Código Tributário Nacional3; já a segunda sustentava a adoção da Taxa SELIC como índice de correção e juros aplicados de forma composta.

Após análise detalhada, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e uniformidade nas relações jurídicas, a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do Código Civil inclinou seu posicionamento pela primeira corrente.

Enquanto o anteprojeto estava sendo discutido no Plenário, uma importante discussão ocorria no Superior Tribunal de Justiça, especificamente no Recurso Especial nº 1.795.982, sobre a interpretação do artigo 406. O processo enfrentou diversos pedidos de vista e adiamentos devido a divergências entre os Ministros, aumentando ainda mais insegurança jurídica sobre o tema.

No entanto, a incerteza quanto ao desfecho final do julgamento foi substancialmente reduzida com o advento da Lei nº 14.9054, que, alterando os artigos 389 e 406, ambos do Código Civil (e na contramão do anteprojeto do Código Civil), fixou expressamente que: (i) na hipótese de não ser convencionada correção monetária, o índice aplicável será o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e que (ii) a taxa legal de juros moratórios, isto é, quando não forem convencionados, corresponderá à taxa Selic, deduzindo-se a atualização monetária que trata o dispositivo citado no item anterior.

Retomado o julgamento do Recurso Especial nº 1.795.982, diante da promulgação da lei que passou a regular o tema, o relator, após julgar prejudicadas as questões de ordem, já enfrentou o mérito e ratificou o resultado de julgamento proclamado em 06 de março de 2024, quando ficou definido que a aplicação da SELIC como índice de correção monetária e juros moratórios em condenações de dívidas civis nas quais não haja estipulação contratual.

A Corte baseou sua decisão em alguns pontos que merecem destaque: (i) a SELIC incorpora e compensa a mora, de forma se alinhar com a realidade econômica do país, especialmente no controle da inflação; (ii) a decisão segue posicionamentos anteriores 5 do Supremo Tribunal de Justiça, especialmente após a Emenda Constitucional nº 113/20216; e (iii) a taxa referencial que incide nos juros moratórios dos tributos federais é a SELIC.

Embora a referida decisão e a Lei 14.905/2024 tratem de forma semelhante os juros de mora do artigo 406 do Código Civil, existe uma diferença conceitual entre os critérios adotados sobre correção monetária. Por um lado, o Superior Tribunal de Justiça determinou que os efeitos da mora sejam calculados pela taxa SELIC, que combina atualização monetária e juros compensatórios. Por outro lado, a Lei 14.905/2024 estabeleceu que a taxa referencial de juros a ser aplicada é a SELIC, deduzido o IPCA, e que o índice de correção monetária é o IPCA, ou seja, os juros são os da taxa SELIC, mas a correção é o IPCA.

Fato é que, portanto, a partir de 30 de agosto de 2024, prevalece o estabelecido na Lei 14.905/2024 acima mencionado , conforme a nova redação dos artigos 389 e 406 do Código Civil, e a Resolução nº 5171/20247.

Importante mencionar que, caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.

A mudança legislativa, portanto, visa a proporcionar uma base normativa mais sólida, com uma maior segurança jurídica e previsibilidade às relações de direito privado. Essa reforma legislativa reflete um esforço para alinhar o ordenamento jurídico às demandas atuais, trazendo maior clareza quanto à aplicação de correção monetária e juros moratórios, o que simboliza um importante avanço para a estabilidade das relações civis e comerciais no país. Lembre-se que essa norma tem caráter supletivo, sendo aplicada apenas na ausência de previsão contratual que estabeleça um índice de atualização ou taxa de juros distintos.

5 EREsp n. 727.842/SP, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 8/9/2008, DJe de 20/11/2008.