Conteúdo Jurídico

14 de maio de 2019

A MP da liberdade econômica e seus primeiros reflexos na desconsideração da personalidade jurídica

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por Elisa Junqueira Figueiredo e Thiago Schapiro Perigolo

No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a Medida Provisória nº 881, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências.”[1]. Em que pese a sua recentíssima publicação, mostra-se pertinente a sua análise (ainda que inicial e superficial neste momento) ante à relevância do tema e aos significativos impactos no Direito Civil.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia. Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova.

Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio Código de Processo Civil (“CPC”) o aprimorado do instituto. Agora, além de alterar o caput, no sentido de que somente são atingidos pela desconsideração os beneficiados pelo ato lesivo, a MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

Pois bem, o caput do artigo 50 do CC, após as alterações, passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato.[2] Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração.

Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CC, que também pode trazer entendimentos contrários, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade (STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)[3].

O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º). Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito[4]. Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fins escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Não pretendemos esgotar o tema, sobretudo em razão de a MP ter provocado outras alterações no instituto da desconsideração. Todavia, apesar de reconhecer e enaltecer os propósitos da MP, bem como a aparente justiça da nova redação do caput do artigo 50 do CC, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

 

[1] MP 881/2019 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm

[2] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.    (Redação dada pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

[3]  STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014 – http://twixar.me/JPmn

[4] “Ao dispor que não constitui desvio de finalidade a ‘alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica’, o legislador dificultou sobremaneira o seu reconhecimento: aquele que ‘expande’ a finalidade da atividade exercida – como pretende a primeira parte da norma – pode não desviar, mas aquele que ‘altera’ a própria finalidade original da atividade econômica da pessoa jurídica, muito provavelmente, desvia-se do seu propósito.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. A medida provisória da “liberdade econômica” e a desconsideração da personalidade jurídica (Art. 50, CC): primeiras impressões. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br>).[:en]puzzle-2500328_960_720

por Elisa Junqueira Figueiredo e Thiago Schapiro Perigolo

No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a Medida Provisória nº 881, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências.”[1]Em que pese a sua recentíssima publicação, mostra-se pertinente a sua análise (ainda que inicial e superficial neste momento) ante à relevância do tema e aos significativos impactos no Direito Civil.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia. Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova.

Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio Código de Processo Civil (“CPC”) o aprimorado do instituto. Agora, além de alterar o caput, no sentido de que somente são atingidos pela desconsideração os beneficiados pelo ato lesivo, a MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

Pois bem, o caput do artigo 50 do CC, após as alterações, passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato.[2] Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração.

Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CCque também pode trazer entendimentos contrários, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade (STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)[3].

O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º). Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito[4]. Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fins escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Não pretendemos esgotar o tema, sobretudo em razão de a MP ter provocado outras alterações no instituto da desconsideração. Todavia, apesar de reconhecer e enaltecer os propósitos da MP, bem como a aparente justiça da nova redação do caput do artigo 50 do CC, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

[1] MP 881/2019 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm

[2] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.    (Redação dada pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

[3]  STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014 – http://twixar.me/JPmn

[4] “Ao dispor que não constitui desvio de finalidade a ‘alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica’, o legislador dificultou sobremaneira o seu reconhecimento: aquele que ‘expande’ a finalidade da atividade exercida – como pretende a primeira parte da norma – pode não desviar, mas aquele que ‘altera’ a própria finalidade original da atividade econômica da pessoa jurídica, muito provavelmente, desvia-se do seu propósito.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. A medida provisória da “liberdade econômica” e a desconsideração da personalidade jurídica (Art. 50, CC): primeiras impressões. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br>).

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por Elisa Junqueira Figueiredo e Thiago Schapiro Perigolo

No último dia 30 de abril de 2019, foi promulgada a Medida Provisória nº 881, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências.”[1]Em que pese a sua recentíssima publicação, mostra-se pertinente a sua análise (ainda que inicial e superficial neste momento) ante à relevância do tema e aos significativos impactos no Direito Civil.

Em linhas gerais, a MP da Liberdade Econômica alterou normas e princípios que antes eram vistos como intervencionistas e tem como finalidade principal dar mais autonomia aos particulares e desburocratizar o dia a dia do empresariado. Trouxe consigo, portanto, propostas interessantes para a sociedade, especialmente por buscar a facilitação dos negócios privados e, consequentemente, propiciar o aquecimento da economia. Nesse sentido, a MP visou a presunção da boa-fé do empresário e reafirmou a antiga máxima de que a boa-fé se presume, enquanto a má-fé se prova.

Embora ainda haja discussões sobre a constitucionalidade da MP, vale a sua breve análise desde já com foco na desconsideração da personalidade jurídica e, mais especificamente, na nova redação do caput e na inclusão dos §1º e §5º, ambos do artigo 50 do Código Civil (CC), sem, contudo, esgotar o tema.

Em poucas palavras, antes da publicação da MP, o CC somente tinha o artigo 50, sem nenhum inciso e parágrafo, para conceituar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cabendo à doutrina e ao próprio Código de Processo Civil (“CPC”) o aprimorado do instituto. Agora, além de alterar o caput, no sentido de que somente são atingidos pela desconsideração os beneficiados pelo ato lesivo, a MP incluiu 5 (cinco) parágrafos para melhor disciplinar o tema e, dentre as novas regras, exige o dolo para a configuração do desvio de finalidade (§1º) e também para comprovar a expansão e/ou alteração da finalidade da empresa de maneira a lesar credores (§5º).

Pois bem, o caput do artigo 50 do CC, após as alterações, passou a considerar que responderão pelo ato lesivo somente aqueles que efetivamente foram beneficiados pelo ato.[2] Grande parte da doutrina já defendia a necessidade dessa mudança, justamente para a proteção dos sócios de boa-fé que, muitas vezes, sequer tinham conhecimento do ilícito praticado em nome da sociedade, evitando, assim, o uso desproporcional e desmedido da desconsideração.

Sem prejuízo da evolução do caput do artigo 50 do CCque também pode trazer entendimentos contrários, os §§s 1º e 5º demandam uma análise ainda mais ponderada, pois aparentemente representam um retrocesso na legislação. Vejamos:

A MP reformou totalmente um entendimento que antes era unanime e passou a tratar o dolo como condição sine qua non para o reconhecimento do desvio de finalidade da empresa (§1º). Vale lembrar que dolo, na ótica do Direito Civil, consiste na prática de um determinado ato com a intenção de obter um resultado ilícito, como por exemplo lesar credores.

Desta forma, além de poder gerar mais dificuldade na aplicação da desconsideração, que por si só já consiste em medida processual excepcional, a comprovação do dolo nessas situações pode implicar prova de difícil, senão de impossível produção. Ao invés de se comprovar “somente” a utilização ilícita da pessoa jurídica, que já se mostra muito trabalhoso, os lesados terão que provar o dolo do sócio ao agir deste modo, com a intenção de lesar credores.

Ainda nesse sentido, importante ponderar que a alteração contraria jurisprudência pacificada do STJ, que entende ser o dolo essencial apenas para os casos de encerramento irregular da empresa, mas não de desvio de finalidade (STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)[3].

O dolo também passou a ser elemento indispensável à aplicação da desconsideração em casos de expansão e/ou alteração da finalidade da sociedade, na intenção de lesar credores (§5º). Parece que a MP contribuiu negativamente para o assunto, uma vez que, como sabemos, aquele que altera a finalidade original da atividade econômica da empresa, muito provavelmente, desvia o seu propósito[4]. Assim, condicionar essa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica à comprovação do dolo resulta em um ônus excessivo à parte lesada e, ao mesmo tempo, dificulta ainda mais a sua aplicação.

Com efeito, essa nova ideia deve ser cuidadosamente analisada, mesmo porque sabemos que infelizmente é comum em nosso país se utilizar de pessoa jurídica para fins escusos, com a intenção de lesar credores, o que também justifica a “avalanche” de pedidos judiciais de desconsideração.

Nesse sentido, a necessidade de se comprovar o dolo para ambos os casos mencionados (desvio de finalidade e expansão e/ou alteração da finalidade da empresa) pode representar uma enorme contradição aos próprios objetivos da MP da Liberdade Econômica, uma vez que, ao mesmo tempo em que visa a estimular a economia nacional, credores poderão ser vítimas do mal-uso da pessoa jurídica e ter dificultada na satisfação de seus créditos.

Não pretendemos esgotar o tema, sobretudo em razão de a MP ter provocado outras alterações no instituto da desconsideração. Todavia, apesar de reconhecer e enaltecer os propósitos da MP, bem como a aparente justiça da nova redação do caput do artigo 50 do CC, os §§1º e 5º devem ser analisados com parcimônia, uma vez que, se por um lado fortalecem a distinção da pessoa jurídica da pessoa de seu sócio, o que é demasiado importante no desenvolvimento da atividade empresarial, podem acabar por proteger demasiadamente os “empresários” que abusam da personalidade jurídica, ao condicionar a aplicação da desconsideração, na maioria dos casos, à comprovação do dolo.

[1] MP 881/2019 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm

[2] Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.    (Redação dada pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

[3]  STJ, EREsp. 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014 – http://twixar.me/JPmn

[4] “Ao dispor que não constitui desvio de finalidade a ‘alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica’, o legislador dificultou sobremaneira o seu reconhecimento: aquele que ‘expande’ a finalidade da atividade exercida – como pretende a primeira parte da norma – pode não desviar, mas aquele que ‘altera’ a própria finalidade original da atividade econômica da pessoa jurídica, muito provavelmente, desvia-se do seu propósito.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. A medida provisória da “liberdade econômica” e a desconsideração da personalidade jurídica (Art. 50, CC): primeiras impressões. Disponível em <www.flaviotartuce.adv.br>).