A necessidade de flexibilização na interpretação da legislação trabalhista
O dia 1º de maio tem grande relevância para a conquista dos direitos dos trabalhadores. Foi nesta data, no ano de 1943, que ocorreu a unificação das normas trabalhistas e estas foram inseridas, de forma definitiva, na legislação brasileira, pelo Decreto-Lei nº 5.452, denominado de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O contexto histórico em que esta data está inserida é extremamente importante para se compreender qual era o movimento da época. A CLT foi publicada no governo de Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, que tinha como principal característica o nacionalismo e autoritarismo. A intenção de Vargas era controlar a massa de trabalhadores urbanos, que crescia conforme o desenvolvimento industrial do país, principalmente nos setores siderúrgico e metalúrgico.
Historiadores consideram que a motivação de Vargas era dupla, pois, ao mesmo passo que visava regular direitos inexistentes ao trabalhador, utilizou a CLT como um canal direto com os trabalhadores.
Assim, foram definidas regras às empresas e garantias aos trabalhadores, como o afastamento da exploração da mão de obra gratuita, a obrigatoriedade de registro na Carteira de Trabalho, limites da jornada contratual e direito a férias.
Passados 79 anos da criação da CLT, depois de diversos presidentes que assumiram o poder, novas profissões surgiram, a tecnologia avançou e a economia mudou.
Apesar da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467) ter alterado mais de 117 artigos, com o objetivo de flexibilizar o mercado de trabalho e simplificar as relações entre trabalhadores e empregadores, a legislação ainda tem dificuldade em acompanhar a constante evolução da sociedade e as novas formas de trabalho.
Como exemplo disso temos o teletrabalho, que foi imposto de forma totalmente repentina nas relações de trabalho como efeito da recente pandemia. Mesmo com a atualização legislativa trazida pela Lei nº 14.442, de 2022, ainda enfrentamos discussões no Judiciário acerca da caracterização de acidente de trabalho, controle efetivo de jornada e responsabilidade no fornecimento de infraestrutura mínima, nessa modalidade de exercício do trabalho.
Outro assunto recorrente, que demonstra as novas necessidades da sociedade, bem como a evolução da tecnologia, são os motoristas de aplicativos, como a Uber, e os entregadores do Ifood e Rappi, em que muito se discute sobre a existência ou não de vínculo empregatício.
No entanto, vale a reflexão se é cabível ou até mesmo prudente considerar esta nova relação de trabalho nos mesmos moldes das relações havidas no ano de 1943, quando a CLT foi editada.
Diante de tantas mudanças e evolução tecnológica, surgem algumas questões: O sistema de trabalho atual de algumas profissões caberia no microssistema da legislação trabalhista exatamente como ali consta? A Reforma Trabalhista de 2017 já estaria, também, ultrapassada?
Temos ainda como exemplo os benefícios, cada vez mais utilizados para retenção de talentos e atingimento de metas ESG, como pagamento de participação baseado em ações (stock options e phantom sotocks), programas de descontos em produtos, cursos e academias, fornecimento de “vale Ifood” e a ferramenta – muito popular atualmente – conhecida como cartão Flash ou Caju, que corresponde a um único cartão com multibenefícios, que também funciona como um cartão de crédito corporativo pré-pago.
Estes benefícios não devem ser analisados sob a mesma ótica de uma legislação, que à época de sua publicação, buscava ainda os direitos básicos do trabalhador, como a garantia ao salário mínimo.
Até mesmo a relação contratual com um PJ (ou “pejotizado”), antes considerada irregularidade ou até fraude trabalhista, deve ser analisada sob um viés diferente, o que vem sendo refletido pela jurisprudência. A Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro, por exemplo, relativizou a situação de hipossuficiência da parte reclamante em decisão recente que afastou o reconhecimento de vínculo empregatício por entender que “as condições intelectuais, sociais, econômicas do autor não lhe permitem ocupar a cadeira do subjugado e inocente” (processo nº 0100068-20.2022.5.01.0038). Essa linha de entendimento, apesar de precedentes desfavoráveis no Tribunal Superior do Trabalho, vem sendo chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, que definiu, em recentes julgados, como lícita a “pejotização” que envolve os hiperssuficientes, profissionais com alto nível de conhecimento e formação, que se utilizam do modelo de contratação por meio de pessoa jurídica por escolha, ou seja, não havendo violação ou redução de direitos trabalhistas.
Como visto, enquanto a legislação não se atualiza para acompanhar o avanço da sociedade – o que nunca ocorrerá de forma simultânea, considerando a constante evolução –, cabe à jurisprudência flexibilizar a interpretação da norma trabalhista, uma vez que utilizar as mesmas regras, sejam aquelas de 1943 ou de 2017, para novas situações levadas ao Judiciário, enrijece a relação de trabalho, gera insegurança jurídica e pode desestimular o empregador a promover mudanças positivas ou até mesmo implantar novos benefícios aos seus empregados.