A nova relação fisco-contribuinte das empresas em recuperação judicial
Com a recente reforma da Lei de Recuperação Judicial e sua estabilização, depois dos vetos presidenciais e sua rejeição pelo Congresso Nacional, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, rapidamente, editou a Portaria 2.382/2021, tratando dos instrumentos de negociação de débitos tributários federais e do FGTS, buscando maior alcance do real objetivo do instituto, que é a preservação da fonte produtora, dos empregos e do interesse dos credores.
A “preocupação” do legislador é legítima, pois, indiscutivelmente, quando uma crise econômica se instala nas empresas, os tributos, de forma prioritária, deixam de ser adimplidos, mantendo-se foco na manutenção da produção e adimplemento de custos essenciais como a mão de obra, energia elétrica e matéria-prima.
Assim, quando se decide pela recuperação judicial, já há um passivo tributário relevante instalado, que deve, obrigatoriamente, ser regularizado até o momento da concessão da recuperação judicial, ou seja, assim que aprovado o Plano pelos credores.
A cronologia processual, em muitos casos, socorre a empresa recuperanda, que apresenta seu pedido de recuperação judicial, depois, em até 60 dias do deferimento, apresenta seu Plano de Recuperação em juízo, e, em seguida, aguarda sua votação pela Assembleia de Credores, o que pode levar meses e até anos para concretização.
Com isso, há um bom lapso temporal para intentar a regularidade fiscal, com a suspensão de ações de execução, podendo fazer caixa e estar apta a apresentar certidões fiscais no ato da concessão da recuperação judicial.
Antes da reforma da Lei de Recuperação Judicial, a legislação federal previa parcelamento tributário apenas em 84 vezes, sem descontos em multas, juros e encargos, o que se mostrava inviável e incompatível com o soerguimento das empresas.
O Superior Tribunal de Justiça, diante disso, formou firme jurisprudência no sentido de que a apresentação das certidões negativas como requisito para a concessão da recuperação judicial inviabilizava a própria existência desse instituto.
Vale dizer que a Lei de Recuperação Judicial ora reformada manteve hígida a obrigatoriedade de apresentação das referidas certidões, como já previsto desde 2005 na lei original, mas, por outro lado, trouxe novas possibilidades de negociação de tributos e FGTS.
Exemplo disso foi a regulamentação, pela PGFN, da transação tributária específica, com a possibilidade de redução de até 70% da dívida tributária e parcelamento em 120 parcelas, mediante atendimento de uma série de requisitos.
Percebe-se, portanto, que, com o estímulo da reforma legislativa da recuperação judicial, a PGFN adotou postura mais flexível e benéfica. Como princípios expressos na Portaria 2.382/2021, destacam-se a adequação dos meios de cobrança à capacidade de pagamento dos contribuintes e o atendimento ao interesse público.
A equação é bastante complexa, já que, de um lado, há o interesse privado da empresa recuperanda, que gera empregos e renda, e deve ser preservada segundo os pilares da recuperação judicial, e, de outro lado, há o interesse público, onde o tributo deve ser arrecadado e recuperado, não havendo espaço para renúncias fiscais.
Mesmo com essas novas possibilidades de negociação e postura mais solidária da PGFN para atendimento dos princípios da recuperação judicial, exigir-se regularidade fiscal de empresas em crise, desde o início do cumprimento do Plano, pode ser uma sentença de morte (falência) da recuperanda.
Vale, dessa forma, a reflexão: a exigência de certidões de regularidade fiscal para concessão da recuperação judicial trará a melhor justiça? Ou permanecerá incompatível com tal instituto, como tudo indica?