Fio da meada

2 de fevereiro de 2023

A paridade no Carf e o reforço à legalidade

Assim como colaboram na elaboração das leis tributárias, é saudável que contribuintes participem da revisão da cobrança do tributo.

A fábula do Robin Hood é perfeita para ilustrar a relação tributária. Gosto tanto dessa referência que já a utilizei duas vezes neste espaço. Na segunda vez, lembrei do filme de mesmo nome protagonizado por Russel Crowe, destacando a cena cujo pano de fundo é a “conferência” entre o rei João Sem Terra e os nobres britânicos, que resultaria na Magna Carta – a primeira das constituições.

Ponto marcante da Magna Carta é o princípio “non taxation without representation”. Relembrando: por esse princípio, a criação de tributos dependeria da deliberação e da aprovação dos próprios contribuintes, ainda que pode meio de seus representantes.

Atualmente, trata-se do princípio da legalidade, inserido na Constituição Federal de 1988, genericamente, no artigo 5º, II e, especificamente à matéria tributária, no artigo 150, I.

Reafirmo que a legalidade tributária não é meramente o cumprimento de uma formalidade, uma burocracia, mas, na verdade, significa incluir o contribuinte na tomada de decisão sobre a tributação.

No Brasil, o referido princípio da Magna Carta se reforça na recentemente muito criticada paridade na formação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

É certo que o Carf não é um tribunal judicial. Portanto, é certo que o Carf é um órgão da administração tributária, ligada ao Ministério da Fazenda. No entanto, a paridade beneficia o sistema tributário em pelo menos dois aspectos.

Em primeiro lugar, reforça a participação do contribuinte na cobrança do tributo, não só na sua elaboração, por meio de lei, como também na revisão do lançamento (ato administrativo de exigência do crédito tributário), ou seja, no seu “acertamento”.

Em segundo lugar, essa revisão da cobrança, esse “acertamento”, é feito de maneira plural e com diversidade. Os conselheiros do contribuinte, não raro, colaboram na compreensão das práticas comerciais e na execução dos contratos e dos negócios jurídicos, indispensável para bem determinar o tributo incidente.

Com a soma e a diversidade de posições, resultado das culturas e das experiências dos conselheiros indicados pelo fisco e dos conselheiros indicados pelos contribuintes, pode-se buscar um consenso mínimo sobre os fatos e, dessa forma, sobre a aplicação da legislação tributária.

Se a formação paritária do órgão administrativo de julgamento da cobrança tributária é “coisa exclusivamente brasileira”, deveríamos exportar esse modelo, pois é algo que funciona bem há quase 100 anos.