A união estável e a validade do contrato de namoro
Nathálie Maranhão Gusmão Pincovsky de Lima
No mundo de hoje, não são somente as relações comerciais ou profissionais que se tornam mais complexas. As relações sociais e afetivas, da mesma forma, sofrem constantes mudanças e alterações quanto a suas interações. E, também nessa matéria, o Direito deve se mostrar como instrumento de pacificação social e se adaptar aos novos contornos e dinâmicas sociais que se apresentam.
Durante anos, as relações afetivas eram juridicamente divididas em matrimoniais e extramatrimoniais, estando apenas as primeiras inseridas no contexto do Direito de Família recebendo a proteção especial do Estado. A exemplo do dinamismo nas relações sociais, surgiu a necessidade de o Estado tutelar e proteger outras relações afetivas existentes, tirando as da marginalidade jurídica e retirando o estigma social que lhes revestia.
Assim, a partir da emancipação das liberdades do cidadão, as uniões afetivas livres foram crescendo, passando a união estável ser a maioria das uniões afetivas no Brasil. Com a finalidade de se adequar à nova realidade e às necessidades brasileiras, a união estável foi reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988, recebendo regulamentação e proteção especial que antes era conferida apenas ao casamento. Desde então, o fortalecimento da união estável tem sido constante, sendo ela equiparada ao casamento, com tratamento igual quanto as obrigações dos conviventes e a situação patrimonial.
Com o citado fortalecimento da união estável, nasceram também, em parcela da sociedade, temor e insegurança de que suas relações afetivas não superficiais pudessem ser reconhecidas como união estável, com o possível impacto no patrimônio e nas responsabilidades relacionais, dada a tênue linha entre a união estável e um “tradicional” namoro, sendo por vezes os dois confundidos. Exatamente nesse contexto, surgiu a figura do contrato de namoro, idealizado para afastar a caracterização de união estável da relação objeto do contrato (o namoro).
A despeito de crescente a prática de celebrar contratos de namoro, é preciso esclarecer que está longe de haver posicionamento pacífico entre os estudiosos do direito e na jurisprudência sobre o tema. Há quem defenda que o contrato seja inválido ou inexistente, outros que defendam a sua validade. No que há concordância, quase que completa, é em relação à inidoneidade do documento para afastar o reconhecimento de união estável. Isso porque, a união estável, por força da sua própria natureza de questão de ordem pública e por se caracterizar a partir de elementos fáticos, não pode ser frustrada por negócio jurídico (o contrato), aplicando-se nesses casos o princípio da primazia da realidade.
Dessa forma, a análise da realidade fática e da dinâmica da relação é que vai definir se se está diante de uma união estável. Isso não quer dizer que o contrato de namoro é de todo inútil na sua missão, vez que, como forma de exteriorizar o pensamento do casal sobre sua relação afetiva, serve como indício da ausência do denominado intuitu familiae, ou seja, da vontade de formar família, pressuposto basilar de reconhecimento da união estável, sendo, assim, forte prova de que a relação seja tão somente de “apenas” namoro.
Portanto, ao tratar de ou buscar celebrar um contrato de namoro, cautela é a palavra-chave. Não se pode depositar todas as expectativas de que esse contrato será suficiente para afastar o reconhecimento de união estável da união afetiva vivida. As relações afetivas são bastante particulares tendo cada qual características que variam para cada indivíduo, as quais podem culminar ou não no reconhecimento de união estável. Deve haver uma análise individual de cada uma delas para se dar solução jurídica mais adequada aos objetivos e vontades de cada casal.