Crédito de imposto: a espinha dorsal do IVA
A reforma tributária promete a implementação de uma tributação tipo IVA; mas há lacunas na garantia dos créditos de imposto
Enfim, o relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados apresentou seu texto de emenda à Constituição. Comparados aos textos de tentativas anteriores, desde 1995, com a proposta de Pedro Parente, passando pela de Virgílio Guimarães, em 2003, e de Sandro Mabel, em 2013, o texto atual, do deputado Aguinaldo Ribeiro, é mais “simples”, mas – talvez até por isso –, traz alguns pontos de indefinição (portanto, insegurança).
Pode-se afirmar, com chance provável de refletir um certo consenso entre os interessados, que o assunto que merece o primeiro destaque é a disciplina dos créditos de imposto. Isso porque fazer referência ao tributo do tipo IVA significa realçar a não cumulatividade, isto é, a abrangência da tomada de crédito para os adquirentes de bens e serviços. E neste ponto, o texto apresentado recentemente frusta as principais expectativas da reforma tributária.
De um lado, há uma medida relevante para a economia brasileira: optantes pelo Simples Nacional passarão a gerar crédito para os adquirentes dos seus produtos e serviços, ainda que “em montante equivalentes ao cobrado”. Por outro lado, alguns dispositivos indicam que o creditamento de imposto no âmbito do IVA brasileiro não será amplo como se anunciou. Significativa parcela da regulamentação sobre não cumulatividade – ou seja, a incidência sobre o valor agregado – foi deixada para lei complementar.
Comecemos pela primeira exceção: o imposto “será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar”.
Uma leitura mais rápida poderia apontar para o entendimento de que não haveria concessão de crédito para o consumo pessoal final, “pessoal” entendido como consumidor final pessoa física. No entanto, a empresa, no campo do direito, também é considerada uma “pessoa”, a pessoa jurídica. Isso quer dizer que a aquisição de bens e serviços para uso e consumo da empresa contribuinte poderia ser excluída da tomada de crédito do imposto. Se assim for, repete-se a disciplina atual, que tem sido causa de conflito entre Fisco e contribuinte.
Depois, caberá também a lei complementar dispor sobre “a forma como poderá ser reduzido o impacto do im
posto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte”. Esse é um ponto relevantíssimo para fomentar o investimento privado no País. Caso possa aproveitar integralmente o imposto devido por ocasião da compra de máquinas, equipamentos e demais itens do capital fixo no momento dessa aquisição, a empresa poderá ficar algum tempo sem recolher o IVA, em razão da sistemática da não cumulatividade, o que incentivaria o investimento produtivo. Tal como disciplinado no texto da reforma tributária apresentado pelo relator, o aproveitamento de eventual crédito de imposto relativo à aquisição de capital fixo poderia ser parcelado em vários anos – atualmente, esse crédito de imposto pode ser aproveitado em 48 meses.
Todavia, o ponto mais relevante sobre o creditamento no IVA brasileiro proposto na reforma tributária está assim redigido: “a lei complementar disporá sobre o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação”.
Trocando em miúdos: o adquirente de bens e serviços poderá ter dificuldades em aproveitar o imposto destacado na nota fiscal de compra se o fornecedor não recolher o imposto. Dessa forma, a proposta transfere a responsabilidade pela fiscalização do recolhimento do imposto ou pelo próprio recolhimento do imposto para o adquirente, em substituição ao fornecedor. Além de potencialmente o tema de maior restrição à tomada do crédito de imposto, existe a probabilidade de esse dispositivo ser questionado judicialmente.
O crédito de imposto é a espinha dorsal do tributo tipo IVA. Para o sistema tributário brasileiro evoluir nessa direção, é imperioso que o texto da reforma tributária assegure, em nível constitucional, o amplo e irrestrito creditamento do imposto cobrado na etapa anterior da cadeia de produção e consumo de bens, serviços e direitos.