Fernandes Figueiredo em Foco

21 de setembro de 2015

Da discricionariedade dos agentes públicos

[:pt]Por Roberto Goldstajn

Só cabe ao Poder Legislativo fixar os parâmetros para imposição de sanções pecuniária, e, não aos agentes fiscais, que representam o Executivo.

Os órgãos públicos federais, estaduais e municipais, por meio de legislações que o instituíram, delegaram a competência da fixação das multas sancionatórias para a prática de atos ilícitos eventualmente cometidos por pessoas físicas e/ou jurídicas aos responsáveis pela sua gerência.

Com efeito, os responsáveis pelos respectivos órgãos têm como parâmetros para fixação de penalidades, em alguns casos, valores mínimos e máximos que podem variar entre R$ 500,00 e R$ 50 milhões, sem, no entanto, ter o respectivo ato ilícito e sanção previstos na legislação correlata.

Logo, as pessoas físicas e/ou jurídicas nestas situações ficam a “mercê” do poder discricionário dos agentes públicos que levam em consideração a gravidade da infração, a capacidade econômica do agente e a suposta vantagem auferida pelo ato ilícito.

No entanto, a referida delegação está desprovida de constitucionalidade e legalidade por diversos motivos.

Destarte, somente cabe ao Poder Legislativo fixar os parâmetros para imposição de sanções pecuniárias, e, não aos agentes fiscais, que representam o Poder Executivo e que não detém poderes discricionários para tanto em face do disposto no artigo 2º e no inciso II, do artigo 5º da CF, in verbis:

“Art. 2º – São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

“Art. 5º – omissis.

(…)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”

Resta claro que os agentes fiscais devem se limitar a cumprir o disposto em lei sem qualquer desvio.

Além disso, os agentes públicos não têm observado uma série de requisitos necessários para a sua validade, em especial, a ausência de motivação do ato para imposição de multas agravadas, tal como estabelecem os artigos 2º e 50, ambos da lei 9.784/99, transcritos a seguir:

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;”

“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

Como se vê, o agente fiscal deve apresentar “a indicação dos pressupostos de fato e de direito” de forma explícita, clara e congruente para majoração das multas.

De tal modo, a ausência de motivação de ato, além de nulificar o procedimento administrativo sob comento, também causa o cerceamento ao direito de defesa da autora e o princípio do contraditório, ambos assegurados pelo Texto Constitucional.

A propósito, vale a pena destacar o julgamento proferido pela Colenda 1ª seção do E. STJ a respeito do tema em caso análogo:

“I – MANDADO DE SEGURANÇA – CÓPIA DO ATO IMPUGNADO – APRESENTAÇÃO PELA AUTORIDADE COATORA.
II – ADMINISTRATIVO – LEI 9.784/99 – DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO – COMUNICAÇÃO DOS ATOS – INTIMAÇÃO PESSOAL – ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO.
I – A circunstância de o impetrante não haver oferecido, com a inicial, uma reprodução do ato impugnado não impede se conheça do pedido de Segurança, se a autoridade apontada como coatora, em atitude leal, o transcreve nas informações.
II – A Lei 9.784/99 é, certamente, um dos mais importantes instrumentos de controle do relacionamento entre Administração e Cidadania. Seus dispositivos trouxeram para nosso Direito Administrativo, o devido processo legal. Não é exagero dizer que a Lei 9.784/99 instaurou no Brasil, o verdadeiro Estado de Direito.
III – A teor da Lei 9.784/99 (Art. 26), os atos administrativos devem ser objeto de intimação pessoal aos interessados.
IV – Os atos administrativos, envolvendo anulação, revogação, suspensão ou convalidação devem ser motivados de forma “explícita, clara e congruente.”(L. 9.784/99, Art. 50)
V – A velha máxima de que a Administração pode nulificar ou revogar seus próprios atos continua verdadeira (Art. 53). Hoje, contudo, o exercício de tais poderes pressupõe devido processo legal administrativo, em que se observa em os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (L. 9784/99, Art. 2º).”
(MS nº 8946/DF; 1ª Seção do E. STJ; Relator Ministro Humberto Gomes de Barros; DJ de 17/11/03; pg. 197)

Também vale destacar diversos julgados que acataram os argumentos aduzidos acima para reduzir ao valor mínimo, multas fixadas ao máximo por Autarquias Federais, Estaduais e Municipais, tal como se depreende das ementa transcritas a seguir:

A) “RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MULTA. INMETRO. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO QUE FIXOU O VALOR DA MULTA. QUESTÃO DE DIREITO E NÃO DE FATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 9o.., § 1o.DA LEI 9.933/99. INDISPENSABILIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO QUE FIXA SANÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU, QUE, RECONHECENDO A AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO, REDUZIU O VALOR DA MULTA PARA O MÍNIMO LEGAL.
1. A controvérsia posta nos autos é diversa daquela discutida no recurso representativo de controvérsia REsp. 1.102.578/MG, da relatoria da eminente Ministra ELIANA CALMON, uma vez que não se discute, sequer implicitamente, a legalidade das normas expedidas pelo CONMETRO e INMETRO.
2. A tese sustentada no Recurso Especial diz respeito à necessidade de motivação do ato que impõe sanção administrativa; não se discute o poder da Administração de aplicar sanções, a legalidade das normas expedidas pelo órgão fiscalizador, ou, simplesmente, a razoabilidade e proporcionalidade do valor arbitrado, mas a necessidade de o órgão administrativo, ao impor a penalidade que entende devida, motivar adequadamente seu ato, com a explicitação dos fatores considerados para a gradação da pena, tal como determinado pelo art. 9o., § 1o. da Lei 9.933/99, questão de direito e não de fato.
3. Tenho defendido com rigor a necessidade e mesmo a imperatividade de motivação adequada de qualquer ato administrativo e principalmente do ato sancionador. É, sem dúvida, postulado que advém de uma interpretação ampla do texto Constitucional, como desdobramento do princípio do contraditório, porquanto a discricionariedade do Administrador encontra limite no devido processo legal, estando previsto, ainda, na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo.
4. O Tribunal a quo entendeu que a menção ao motivo pelo qual o recorrente estava sendo apenado – ausência de selo de identificação em 12 reatores eletrônicos – era suficiente para a escolha aleatória do valor da multa, dentro dos valores possíveis (à época entre R$ 100,00 e R$ 50.000,00), confundindo motivo (infringência da norma) com motivação (apresentação dos fundamentos jurídicos que justificam a escolha da reprimenda imposta), olvidando-se, ainda, de que a própria Lei 9.933/99 informa os critérios a serem utilizados para a gradação da pena (art. 9o., § 1o. e incisos), quais sejam: (a) gravidade da infração, (b) vantagem auferida pelo infrator, (c) a condição econômica do infrator e seus antecedentes, (d) prejuízo causado ao consumidor; e (e) repercussão social da infração.
5. É dever do órgão fiscalizador/sancionador indicar claramente quais os parâmetros utilizados para o arbitramento da multa, sob pena de cercear o direito do administrado ao recurso cabível, bem como o controle judicial da legalidade da sanção imposta; com efeito, sem a necessária individualização das circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis à empresa em razão da infração cometida, não há como perceber se o valor da multa é ou não proporcional; veja-se que, no caso, concreto, a multa foi arbitrada em valor próximo do máximo admitido pela norma legal.
6. Tal circunstância não passou despercebida pelo Julgador singular, que anotou, com propriedade, a falta de motivação do ato administrativo de fixação da pena de multa, reduzindo-a ao mínimo legal.
7. Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.”
(RESP nº 1.457.255; 1ª Turma do STJ; Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho; DJ20/08/2014)

B) “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MULTA POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. IMPOSIÇÃO PELO VALOR MÁXIMO. REDUÇÃO NA JUSTIÇA AO VALOR MÍNIMO. 1. Não é permitido ao Poder Judiciário rever o mérito de ato administrativo discricionário, com a finalidade de controlar a conveniência ou oportunidade de sua prática pela Administração Pública, em obediência ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal). Assim, se o ato administrativo que impõe sanção não padece de ilegalidade formal, não é dado à Justiça do Trabalho substituir-se à autoridade administrativa para dosar o valor da multa. 2. Compete à Justiça do Trabalho, contudo, exercer controle de legalidade extrínseca sobre o ato de imposição de multa administrativa, para aferir o respeito aos princípios e às normas constitucionais e legais. No exercício desse poder, é-lhe lícito reduzir o valor da multa. 3. Se a autoridade administrativa fixa a multa pelo seu valor máximo em tese permitido pela legislação, mas sem a motivação da gradação exigida no art. 75 da CLT, infringe o princípio da legalidade, de forma a ensejar a redução judicial da multa para o valor mínimo. 4. Agravo de Instrumento conhecido e não provido” (TST-AIRR-922-43.2011.5.03.0100, 4ª Turma, Relator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 7/6/2013).

Desta forma, as multas variáveis fixadas pelos Órgãos Públicos Federais, Estaduais e Municipais por meio de seus agentes fiscais poderão ser objeto de estudo e eventual questionamento junto ao Poder Judiciário como uma tese jurídica alternativa ao argumento principal defendido pelas empresas quanto a suposta inexistência de infração a legislação vigente.

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*Roberto Goldstajn é advogado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Fonte: Migalhas