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19 de fevereiro de 2024

Desjudicialização e eficiência: o que prevê o Projeto de Lei n° 6.204/2019?

Por: Bruno Maglione e Victória Soranz

O Projeto de Lei n° 6.204/2019[1] (“PL”), apresentado perante o Plenário do Senado Federal em 27/11/2019, propõe a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial, transferindo essa responsabilidade para os tabelionatos. Atualmente, o PL aguarda decisão terminativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ do Senado Federal, a qual permitirá que o múnus público[2] da execução dos títulos executivos seja “delegado” a um tabelião de protesto, ou seja, que estes possam assumir o papel de agente da execução, conduzindo atividades burocráticas que, até então, são de competência exclusiva do Poder Judiciário.

De maneira simplificada, o procedimento inicia-se com a apresentação de um requerimento de execução, acompanhado de um título protestado, ao agente de execução, que então cita o devedor para pagamento da quantia em 5 dias, sob pena de penhora, arresto e alienação, concluindo-se o feito com a obtenção da satisfação do crédito, sem prejuízo da possibilidade de autocomposição.

Todavia, em que pese a intenção de desafogar o Judiciário, sempre que provocado pelas partes (suscitação de dúvida) ou pelo denominado agente de execução (consulta), os atos executórios seguirão sob o controle e a fiscalização dos Judiciário.

O principal objetivo desse projeto é agilizar e simplificar o processo de cobrança de dívidas, reduzindo o acúmulo de execuções nos Tribunais brasileiros. A sobrecarga enfrentada pelo Poder Judiciário, refletida nos longos prazos de espera para a resolução de processos, tem gerado ao longo dos anos prejuízos significativos tanto para os cidadãos, quanto para a economia do país.

Os números divulgados[3] pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam a amplitude do desafio enfrentado pelos Tribunais em relação ao acúmulo de execuções. Somente no ano de 2023, foram registrados um total de 5.619.420 novos casos de Execução Judicial e Extrajudicial. No entanto, a situação se torna ainda mais preocupante quando consideramos que, até outubro de 2023, persistiam 14.876.365 (quatorze milhões, oitocentos e setenta e seis mil, trezentos e sessenta e cinco) execuções pendentes de resolução.

Esses dados enfatizam a urgência de medidas eficazes para lidar com a acumulação de execuções paradas, ressaltando a necessidade de reformas que possam aliviar o sistema judiciário e, consequentemente, garantam uma administração mais ágil e eficiente do judiciário no país.

Contudo, a discussão ainda vai longe. Se, por um lado, a desjudicialização por meio de delegação já é uma prática bem-sucedida no Brasil, como evidenciado pela extrajudicialização da retificação do registro imobiliário (Lei nº 10.931/2004[4]), do inventário, do divórcio (Lei nº 11.441/2007[5]), da retificação de registro civil (Lei nº 13.484/2017[6]) e da usucapião instituída pelo Código de Processo Civil (artigo 1.071 – LRP, art. 216-A[7]), por outro, a escolha pela desburocratização significa, fundamentalmente, evitar a discussão necessária sobre os reais problemas que nos fazem questionar continuamente a eficácia jurisdicional.

Além disso, é importante considerar que o avanço da desjudicialização poderia acarretar na sensação de impunidade entre os inadimplentes. A diminuição da pressão decorrente do ajuizamento de ações judiciais pode, consequentemente, encorajar a continuidade da evasão das obrigações legais.

O assunto ainda é delicado, mas, de todo modo, uma coisa é inegável: os benefícios advindos da eventual promulgação do Projeto de Lei estarão intrinsecamente ligados à capacidade de adaptação. Em outras palavras, de nada servirá afastar do Poder Judiciário da execução civil, se o sistema não se moldar à uma prática célere e eficiente dos atos executivos.

Assim, é vital assegurar que as reformas propostas sejam exaustivamente estudadas e gradualmente implementadas, pois somente desta forma será possível garantir que os cidadãos e o empresariado brasileiro tenham seus legítimos direitos atendidos de maneira segura e eficaz.

 

[1]https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8049470&ts=1689682066195&disposition=inline&_gl=1*ea4oj1*_ga*MTg5MzA5MzI5OS4xNzA3MTc0MjYz*_ga_CW3ZH25XMK*MTcwNzIxNDYzNy4yLjEuMTcwNzIyMTI3My4wLjAuMA
[2] O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei.
[3] https://painel-estatistica.stg.cloud.cnj.jus.br/estatisticas.html
[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm
[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm
[6] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13484.htm
[7] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6015consolidado.htm