Fio da meada

5 de junho de 2023

Direito e Contabilidade em Adam Smith

Difundida pelo economista, a visão moral e econômica do mercado tem muito a contribuir para o desenvolvimento e para o diálogo entre essas duas disciplinas

 

Neste 5 de junho de 2023, parabéns, Adam Smith, por seus 300 anos de nascimento (ou de batismo, não se sabe ao certo). Autor dos mais amplamente citados e dos mais raramente lidos (Donald Winch). Adam Smith se autointitulava como filósofo moral. Afastava, assim, seu enquadramento como economista, conquanto esta referência já existisse no seu tempo, especialmente feita aos fisiocratas franceses.

Sua obra, que poderia ser considerada como o livro-texto do seu curso de filosofia moral, ficou inacabada. De quatro partes do curso, ele cobriu em livro publicado de duas a três: a pessoa na sua individualidade (“Teoria dos sentimentos morais”) e a pessoa no coletivo econômico e na organização do Estado (“Riqueza das nações”).

Não deu tempo de concluir a organização da Justiça, que complementaria a organização do Estado. No entanto, alguns textos esparsos chegaram até nossas mãos.

Adam Smith acreditava no “poder” do comércio; mas, cuidado, não podemos limitar esse comércio ao seu viés econômico ou a algum espírito capitalista (aliás, Giovanni Arrighi faz uma fundamentada distinção entre a sociedade mercantil, de Adam Smith, e a sociedade capitalista). Muito ao contrário.

Mesmo o sentimento moral (sim, sentimento, não razão) seria formado pelo contato entre as pessoas (mais recentemente, tais conclusões foram corroboradas por pesquisas na área da psicologia feitas por Jean Piaget e Jonathan Haidt). Portanto, a formação e o desenvolvimento da sociedade humana dependeriam das relações entre as pessoas, seja de cunho econômico ou não (nesse mesmo sentido, Bronislaw Malinowski demonstrou essa “prática comercial” entre os povos originários da Melanésia, denominada de kula).

De um lado, os contatos frequentes entre as pessoas resultam não só na formação moral do indivíduo, como também na formação das instituições sociais, algumas delas, na sequência, convertidas em normas jurídicas. A regulamentação jurídica, para Adam Smith, decorre de institutos que surgem no desenvolvimento social, o que somente é possível e necessário em grupos de indivíduos. Por esse motivo, Adam Smith defende tanto as instituições.

Por outro lado, com relação ao comércio “stricto sensu”, Smith descreveu as várias práticas mercantis do seu tempo e de tempos anteriores a ele. Nessa descrição, com métodos próprios da antropologia, identificou alguns padrões, algumas regras e, obviamente, alguns agentes do comércio. Com respeito a esses agentes do comércio, Adam Smith, ao que parece, não privilegiou nenhum deles: os proprietários, os artesãos, os industriais, os comerciantes e os trabalhadores, cada um na sua função (divisão do trabalho), contribui para o desenvolvimento da sociedade, moral e economicamente. Não há prevalência de um sobre os demais, não há hierarquia na lição de Smith: seria praticamente um capitalismo de stakeholders, para utilizar um termo em voga.

 

Demonstrativos contábeis

O equilíbrio dos diversos interesses individuais que agem no mercado pode ser demonstrado nos relatórios contábeis. Nas declarações financeiras e contábeis, encontramos a relação recíproca de causa e efeito (relação recursiva, no dizer de Edgar Morin) entre a empresa de referência e seus contratantes. Por exemplo: o fornecedor, para decidir pelo contrato com a empresa-cliente, toma por base suas demonstrações contábeis, o conjunto estruturado dos contratos já celebrados pela empresa; e, quando firmado, o contrato de fornecimentos impacta, em maior ou menos grau, todos os demais contratos celebrados pela empresa.

Com relação ao controle financeiro e contábil dos contratos celebrados pelo comerciante, Adam Smith vai além e chega a descrever algumas regras de organização das finanças corporativas que ainda hoje estão sendo utilizadas: capitais circulantes, capitais fixos, contrato de arrendamento, ativo biológico, impostos sobre o consumo, ativo intangível (“Riqueza das nações”, capítulo 1 do Livro II).

Essa visão moral e econômica do mercado tem muito a contribuir para o desenvolvimento do Direito e da Contabilidade, e para o diálogo entre essas duas disciplinas, no mundo contemporâneo. Quem sabe a leitura de seus livros não venha a se comparar com a sua fama.

Parabéns, Adam Smith!