Fernandes Figueiredo em Foco

4 de março de 2021

Mudança reacende debate sobre papel da estatal

A tendência é que o mercado financeiro mantenha maior cautela em relação à companhia

A mudança na presidência da Petrobras reacendeu o debate sobre a função da estatal e o futuro da política de preços de combustíveis. No centro da discussão estão os sucessivos aumentos nos preços do diesel e da gasolina anunciados pela Petrobras, em reflexo à alta do preço do petróleo no mercado internacional.

O presidente Jair Bolsonaro criticou os reajustes e anunciou que iria zerar os impostos federais sobre os combustíveis, o que desencadeou um movimento de venda das ações da Petrobras em meio ao temor de interferência política na estatal. O tema não é novo e não perdeu a capacidade de enfurecer os acionistas minoritários da companhia que, no entanto, por ser uma sociedade de economia mista, deve continuar propensa a esses solavancos.

Em maior ou menor grau, a intervenção na questão do preço dos combustíveis ocorreu nos últimos anos e sempre é esperada, diz Edison Fernandes, advogado empresarial. Ele lembra o represamento de preços no governo Dilma Roussef e a mudança de intervalo de reajustes com Michel Temer. “Se o governo chegar a uma interferência extrema, dando prejuízo à empresa, os investidores privados podem mover uma ação.”

Um advogado que prefere não ser identificado ressalta que a companhia atende a normas do direito público, considerando o caráter estatal, e também o direito privado, regida pela natureza de sociedade anônima. O especialista afirma que o objetivo da Petrobras é promover a exploração de petróleo, e que o acionista controlador – o Estado – não deve tentar fazer política econômica por meio da companhia, seja tentando controlar a inflação no preço do combustível ou a variação do câmbio no mercado internacional.

Na linha contrária, outro especialista da área afirma que a Petrobras sofre com a pressão do capital especulativo, mesmo tendo sido criada com o objetivo de universalizar o acesso aos combustíveis fósseis. De acordo com ele, o interesse no pagamento de dividendos influencia o debate público sobre os reajustes. Para ele, a Petrobras foi fundada para que o Estado atue na economia, embora nem toda atuação estatal na economia seja benéfica. Ele afirma que cada caso deve ser analisado individualmente.

Do ponto de vista jurídico, a mudança de gestão deve ser um processo tranquilo, mesmo em caso de uma eventual renúncia de Roberto Castello Branco. A expectativa é a de que o general Joaquim Silva e Luna, indicado por meio de ofício do Ministério de Minas e Energia, assuma o cargo após a realização da assembleia geral extraordinária (AGE) da companhia, ainda a ser convocada.
“Não existem muitos impedimentos para essa transição. Caso o Castello Branco renuncie, o conselho de administração pode nomear um presidente interino até a realização da AGE que deve confirmar o Silva e Luna”, afirma Fernandes.

As principais incertezas são de cunho político. Fernandes ressalta que o governo federal pode não alcançar maioria de votos no conselho de administração da Petrobras, embora sete dos onze conselheiros tenham sido indicados pela atual gestão. O ofício do Ministério de Minas e Energia recomendou a recondução dos atuais conselheiros até 2022.

Um dos advogados ouvidos pela reportagem afirma ainda que, apesar de a aprovação de Silva e Luna ser esperada, o conselho de administração é soberano e não sofre gerência direta do poder executivo. Para o especialista, a Petrobras possui um sistema de governança corporativa eficiente, que vem sendo aperfeiçoado ao longo dos anos e deve ser mantido.

Até a definição da nova diretoria da Petrobras, a tendência é que o mercado financeiro mantenha maior cautela em relação à companhia. “Cada gestor imprime a sua cara, então tem uma quebra nessa continuidade até que o mercado e a sociedade percebam qual é a nova linha adotada”, afirma Fernandes.


Veículo: Valor Econômico