Fernandes Figueiredo em Foco

28 de novembro de 2019

Não precisamos de reforma tributária que altere a Constituição Federal

Praticamente concluída a reforma da Previdência e ainda sem relevante recuperação da atividade econômica no Brasil, as atenções se voltam para a reforma tributária, tida quase como a redenção que falta à economia brasileira. Em meio a interesses e protagonismos, o consenso parece se limitar à necessidade de mudar o que está aí em matéria tributária, mas, ninguém é capaz de apontar o que realmente será alterado e quando. Parece também inevitável que haja uma reforma no nível constitucional. Nós defendemos o contrário: não é preciso uma Reforma Tributária tal como está sendo discutida no Congresso Nacional, na imprensa, nas associações empresariais e em diversas rodas de cidadãos comuns. Mudanças são necessárias, obviamente, mas é possível algo mais prático, rápido e fácil.

Para apresentar nossos argumentos, destacamos quatro pontos que as principais propostas de reforma tributária estão prometendo enfrentar e resolver. Em nossa opinião, esses pontos (e também outros) podem ser corrigidos sem a alteração no texto constitucional, portanto, sem o desgaste político exigido para se obter os três quintos dos parlamentares de cada Casa Legislativa em dois turnos. Vamos a eles.

1. Fragmentação da incidência tributária sobre bens e serviços
A existência de muitos tributos sobre o consumo (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) gera insegurança porque se criam zonas de conflito entre eles, exigindo do contribuinte que “adivinhe” quem irá cobrá-lo. O caso do IPI é o mais simples de resolver: sendo um imposto seletivo e regulatório, poderia ter quase todas as suas alíquotas reduzidas a zero por decreto do Presidente da República, mantendo somente a incidência sobre cigarro, bebidas e outros produtos considerados supérfluos, de modo a resgatar sua função marcadamente seletiva. As contribuições federais PIS e Cofins podem sem unificadas por lei ordinária (ou mesmo por medida provisória, embora haja o risco político dessa medida) e transformadas em um único tributo não cumulativo, com destaque em nota fiscal e direito a crédito financeiro — sem quaisquer regimes especiais ou postergações no uso dos créditos para os contribuintes, à exceção do setor de serviços, que demanda tratamento específico devido ao alto emprego de mão-de-obra — com sua receita destinada para os programas e ações de seguridade social. Finalmente, para evitar os recentes conflitos entre ICMS e ISS, especialmente com relação às operações da economia compartilhada, a competência de estados e municípios poderia ser tratada em lei complementar única, que disciplinaria em nível nacional ambos os impostos, reduzindo ou eliminando as brechas para a discussão.

2. Cobrança não-cumulativa e no destino
Medida que demanda inércia do Congresso Nacional resolveria a questão da não cumulatividade do ICMS, em busca do crédito financeiro — basta o artigo 33, I da Lei Complementar 87/1996 não ter sua vigência novamente prorrogada, permitindo, a partir de 1° de janeiro de 2020, o crédito de ICMS incidente sobre bens de uso e consumo. Quanto à tributação no destino, resolução do Senado poderia estender a alíquota de 4% a todas as operações interestaduais. Com isso, aumenta-se o diferencial de alíquota que ficará com o local de destino da mercadoria. Quanto às vendas a consumidor final, a atribuição do ICMS no destino já foi resolvida pela Emenda Constitucional 87/2015.

3. Oneração dos investimentos e das exportações
Para a desoneração dos investimentos, bastaria a revogação do parágrafo 5° do artigo 20 da já citada Lei Complementar 87/1996, que atualmente estabelece que os créditos de ICMS na aquisição dos bens do ativo imobilizado sejam apropriados em quatro anos (1/48 por mês). Por outro lado, a desoneração total das exportações e o ressarcimento dos contribuintes exportadores depende exclusivamente do cumprimento rigoroso da mesma Lei Complementar 87/1996 (e, obviamente, de recursos financeiros tanto da União quanto dos estados, pois, caso contrário, nenhuma alteração constitucional conseguirá proporcionar a integral restituição do ICMS exonerado na exportação). Igual cumprimento rigoroso deve ser dado à legislação que já assegura o ressarcimento de créditos acumulados do PIS/Cofins na exportação, de modo a cumprir a diretriz de não exportação de tributos.

4. Custo burocrático de apuração e pagamento dos tributos
As maiores exigências e, portanto, o maior custo para o compliance tributário não está no texto constitucional, mas nas normas de controle e de fiscalização, muitas vezes até infralegais — veja-se as infinitas informações que devem constar na nota fiscal, além de existir variados modelos deste documento. A unificação dos procedimentos de fiscalização, incluindo o que atualmente é identificado como “contencioso administrativo”, reduzirá consideravelmente o custo de compliance e a probabilidade de litígios. Some-se a isso a utilização dos instrumentos eletrônicos, especial e principalmente o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), como o grande banco de dados e de processamento de dados fiscais. É preciso avançar com o desenvolvimento do Sped de maneira urgente, o que poderá ser feito com normas complementares, que são de nível inferior ao das leis, ou seja, compete exclusivamente ao Poder Executivo essa matéria.

Temos consciência que existem outros pontos do sistema tributário que, também, merecem microrreformas legais, como, por exemplo, o imposto sobre a renda, a uniformidade do contencioso administrativo nos três níveis federativos (e sua harmonização às decisões vinculantes do Poder Judiciário), os mecanismos de execução fiscal e a revisão do próprio Código Tributário Nacional. Porém, todos igualmente reformáveis por medidas infraconstitucionais.

Por essas e outras razões, entendemos que é possível caminhar de maneira rápida e fácil para o aprimoramento da tributação brasileira, sem necessidade, neste momento, de mover vultosos esforços políticos para alterar o sistema tributário inscrito na Constituição Federal, a fim de simplifica-lo e de garantir segurança jurídica aos contribuintes, além de garantir a arrecadação dos entes federativos.

 

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