O direito internacional que vem na mala extraviada
por Rhuan Dergley da Silva
Pode ser surpresa para a maioria das pessoas, mas o movimento de internacionalização das relações privadas está cada vez mais presente no cotidiano e, por seu turno, na justiça brasileira. Foi assim que se sucedeu com a tese firmada no Supremo Tribunal Federal (STF) de que o transporte aéreo deve seguir convenções internacionais sobre extravio de bagagens e não o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com essa tese nas mãos, as companhias aéreas terão mais segurança jurídica nas discussões dos valores das indenizações a que estiverem condenadas e, por outro lado, os consumidores deverão ficar mais atentos nas medidas de prevenção para evitar uma dor de cabeça maior do que a perda da bagagem.
Até recentemente, o extravio de bagagens e até o prazo para questioná-lo judicialmente eram matéria da legislação brasileira. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tinha jurisprudência consolidada para responsabilizar as companhias aéreas na medida da má prestação de serviço e dos danos sofridos pelos consumidores. Assim, as indenizações pelo extravio de bagagens poderiam somar altas cifras por danos materiais e também por danos morais.
Contudo, no começo deste ano, após vários reveses, o STF alterou o seu entendimento para fixar a posição de que os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e de Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
O STF apoiou sua decisão na hierarquia dos tratados internacionais firmada em 2008 (Recurso Extraordinário 466.343), a qual fixou o entendimento de que há tratados com hierarquia constitucional, supralegal e legal, cujo fator determinante seria a própria ordenança da Constituição Federal – CF.
E, nessa lógica, a própria CF poderia delegar a regulação de certas matérias para o domínio internacional, como, por exemplo, o caso do transporte aéreo previsto no art. 178 da CF, sendo norma supralegal, ou seja, abaixo da CF, mas acima da lei infraconstitucional.
E esse movimento internacional só tende a crescer com a expansiva internacionalização das relações privadas no Brasil. O STF abriu um grande caminho para que o Congresso Nacional institua competências e delegações legislativas às regulações internacionais, sobrepondo-se à legislação civil e comercial brasileira.
Afinal, no caso de extravio de bagagem, as principais consequências desse movimento de internacionalização das relações privadas consistem na limitação dos valores indenizatórios, bem como no prazo do consumidor para pedir indenização por eventuais danos, ensejando, portanto, a conclusão de que o direito internacional está cada vez mais presente no cotidiano brasileiro.
Para se ter noção, se o passageiro não entregar uma declaração especial sobre o valor da bagagem à companhia aérea no momento de seu embarque, a perda ou a avaria terá indenização limitada a R$4.494,32, que corresponde aos limites impostos pelas convenções outrora aludidas. Por sua vez, o prazo para ajuizar a ação de indenização fica estabelecido como dois anos (e não de cinco anos, como previsto no art. 27 do CDC).
Mas é preciso atenção, pois para que haja eficácia no sistema jurídico, todo e qualquer compromisso internacional deve ser compatível com as cláusulas constitucionais, tais como a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Nesse contexto, tanto o consumidor quanto o empresário e o advogado deverão ficar atentos às constantes interações do direito internacional no cotidiano brasileiro.