Os credores que lutem
No dia 28 de dezembro de 2021, enquanto muitos desaceleravam o ritmo de trabalho, se despedindo do clima natalino e já flertando com o réveillon, foi publicada a Medida Provisória nº 1.085/2021, trazendo importantes modificações nos procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, no regramento das incorporações imobiliárias e ainda criou o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP.
Já em vigor em sua quase totalidade, e sob a promessa de simplificação e modernização de determinados procedimentos, a MP reduziu o prazo para análise e registro de títulos e emissões de certidões, e criou algumas facilidades com o SERP, dentre as quais destacamos (i) a interoperabilidade das bases de dados entre os cartórios de registros públicos e o SERP; (ii) o atendimento online aos usuários dos cartórios de registros públicos; (iii) a interconexão dos cartórios de registros públicos e (iv) a possibilidade de acesso remoto (online) a atos transcritos, registrados ou averbados nos cartórios de registros públicos, entre outros.
Apesar de ter alguns aspectos positivos, a MP merece crítica no que se refere às alterações introduzidas ao artigo 54 da Lei nº 13.097, de 2015, que, por sua vez, dispõe sobre os registros feitos em matrículas de imóveis.
Isto porque insere no texto da lei supracitada algumas disposições que, a nosso ver, ao mesmo tempo em que enfraquecem o instituto da fraude à execução, um aliado importantíssimo dos credores que buscam satisfazer judicialmente dívidas não honradas, facilitam fraudes e frustração do pagamento de devedores.
Para quem não está familiarizado com o conceito, explicamos: em síntese, fraude à execução é o nome que se dá a transações nas quais um devedor, com um processo judicial já instaurado, aliena seu(s) bem(ns) a um terceiro, de maneira a impedir que seu patrimônio seja utilizado para quitar dívidas anteriores.
Ocorre que, para que se configure a fraude à execução, deve haver pelo menos indícios de má fé ou ausência de boa-fé do terceiro que adquiriu o bem, o que, na prática, se verificava pela profundidade da diligência prévia desse terceiro em relação ao estado de solvência do devedor, fator decisivo para a validade do negócio.
Em outras palavras, para afastar a caracterização da fraude à execução, o terceiro adquirente deve, ou pelo menos devia, comprovar que adotou diligências mínimas para verificar a solvência da pessoa que transferiu aquele(s) bem(ns), demonstrando que analisou, no mínimo, entre outros documentos, certidões negativas de débitos, de distribuições cíveis e trabalhistas, entre outros documentos e providências básicas, sob pena de restar anulada a transação.
É certo que o artigo 54 da citada lei já previa que certas questões não averbadas junto à matrícula não poderiam levar à ineficácia de uma venda realizada, apesar de já haver uma ação ajuizada, o que já havia enfraquecido, de certa forma no nosso ponto de vista, o instituto da fraude à execução.
Porém, agora, nos deparamos com mais uma normativa que, embora até possa facilitar e agilizar negócios (um pouco, já que buscas podem ser feitas rapidamente pela internet) – ao menos essa é a motivação –, propiciam e facilitam manobras de devedores contumazes em prejuízo de credores ou mesmo a injusta situação de frustração de um crédito anterior, pela venda posterior de um bem. A balança precisa voltar a se equilibrar!
A principal infelicidade da MP nesse aspecto foi inserir os parágrafos 1º e 2º no artigo 54 da lei 13.097, de 2015 para, literal e expressamente, dispor que para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel, não será exigida a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões (exceto a de ônus reais), tampouco a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.
Ora! Se não se pode exigir a apresentação de documentos básicos e que são obtidos de forma rápida e não custosa, inclusive via internet, como uma certidão de distribuição, então qual a diligência prévia esperada do terceiro?! Absolutamente, nenhuma!
Tais novas disposições, mais uma vez, colocam o credor em extrema desvantagem no que diz respeito à caracterização da fraude à execução, contrariando a própria lógica da legislação processual civil, e, ao menos na teoria, aumenta a probabilidade de negócios jurídicos fraudulentos com intuito de “blindagem” do patrimônio do devedor.
Veremos, na prática, como reagirá o Poder Judiciário ao aplicar o artigo 54 da lei 13.097, de 2015, com a nova redação dada pela MP nº 1.085/2021.