Precedentes judiciais nos contratos digitais
Com inteligência artificial e jurimetria, contratos digitais podem antecipar a solução de controvérsias
Não tenho pesquisa científica para comprovar, mas minha experiência na advocacia, especialmente na área empresarial, indica que os profissionais do Direito que têm experiência no contencioso costumam ter muito traquejo na redação de contratos. A conclusão parece lógica: quem conhece os precedentes judiciais tende a considerá-los nas cláusulas contratuais, como reforço das obrigações assumidas. Em parte, nesse sentido, foi desenvolvida a jurimetria, que em poucas palavras refere-se à aplicação da estatística às manifestações judiciais com o objetivo de antecipar a probabilidade das decisões. A cominação de tecnologias, então, pode mudar a redação de instrumentos contratuais.
Notícia desse Valor Econômico, publicada no dia 11 de julho, assinada por Bárbara Pombo, dá conta de que a maioria dos órgãos do Poder Judiciário utilizam, de alguma forma, a inteligência artificial. Se houver a possibilidade de compartilhar os dados judiciais tratados por essa tecnologia, a jurimetria avança alguns passos. Some-se a confecção de contratos digitais (“smart contracts”), estaremos diante de uma nova forma de trazer segurança aos negócios jurídicos, além de proporcionar solução de conflitos (se houver) mais estáveis.
Os contratos digitais podem ser elaborados (na verdade, programados, escritos em linguagem de programação) de forma a “dialogarem” com os resultados de cruzamento de dados do Poder Judiciário. E aqui o termo é mesmo “diálogo”, ou poderíamos utilizar “relação recursiva”.
Esse diálogo (relação recursiva) implica a recepção de informações geradas pelo Poder Judiciário pelas tarefas de execução do contrato digital, mas também o envio de informações referentes ao contrato digital ao Poder Judiciário.
Pensem em uma relação jurídico-negocial em que as partes assumem compromissos de notificações periódicas no curso do contrato: por exemplo, o vendedor de uma sociedade empresária é obrigado a notificar o comprador sobre a forma de conduzir a defesa de um conflito instaurado antes da aquisição. Essa notificação poderia ser feita de maneira automatizada?!).
Por outro lado, se o vendedor não cumprisse o prazo para essa informação ao comprador, o contrato digital, também de maneira automatizada, constituiria em mora o vendedor por meio de notificação que envolvesse o Poder Judiciário. No caso de eventual conflito, provas digitais teriam sido produzidas e, na medida do possível, considerando os precedentes adotados pelo mesmo Poder Judiciário em situações semelhantes.
Parece um mundo de ficção científico-jurídica? Talvez, mas esse mundo já está ali na esquina.