Conteúdo Jurídico

3 de outubro de 2017

Proteção ao consumidor: sim. Custe o que custar?

Imagem RTN 2017 10 03

por Ricardo Teixeira do Nascimento

Após 27 anos de vigência do CDC (Código de Defesa do Consumidor), ninguém tem dúvidas de que a proteção dos consumidores é imprescindível para coibir os abusos praticados por algumas empresas. No entanto, devem ser definidos os limites dessa proteção sob a ótica socioeconômica da relação comercial.

O CDC comporta diferentes interpretações possíveis frente a um determinado caso, notadamente com o surgimento de novas e modernas relações. Nota-se, todavia, uma predisposição do Poder Judiciário em priorizar os interesses do consumidor, talvez por desconhecer a realidade socioeconômica das empresas e das relações jurídicas analisadas, o que acaba por gerar decisões desequilibradas e que impactam cada vez mais a coletividade e, ao fim, os próprios consumidores.

Não se nega que os consumidores verdadeiramente hipossuficientes devem ter tratamento diferenciado. O ponto, entretanto, é que não podemos confundir proteção com uma “superproteção” irresponsável. A jurisprudência não tem acompanhado a velocidade das transformações sociais e as decisões judiciais pró-consumidor, que antes eram consideradas justas, acabam colocando em xeque a justiça e o desenvolvimento econômico.

É o que vemos acontecer, por exemplo, no mercado imobiliário, diante do problema dos distratos de compromisso de compra e venda de imóvel. No ano de 2015, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos às construtoras (leia-se: 41% de contratos rescindidos). Historicamente, esse percentual girava em torno de 10%. Ao que parece, a severa crise que atingiu a construção civil passou despercebida pelo Poder Judiciário, sem qualquer atualização da jurisprudência para desestimular a devolução de apartamentos pelos compradores inadimplentes. É verdade que recentemente houve uma boa decisão relativa a distrato, que considera a realidade econômica e mercadológica, mas ainda isolada e minoritária.

Nesse contexto de adversidades enfrentadas pela área de construção civil, a jurisprudência de outrora acabou por se tornar obsoleta e muito prejudicial aos incorporadores e ao mercado como um todo, pois se trata de um dos setores que mais emprega no país. Aliás, a situação acabou por desenvolver uma cultura reprovável, qual seja, a sensação de impunidade para aqueles que desonram o contrato irrevogável e irretratável, onerando, ao fim, até mesmo os demais consumidores com o aumento do preço em razão do efeito cascata. E isso se aplica também a outros setores da economia.

De outro lado, vê-se que parte do Poder Judiciário está atenta aos reflexos dessa proteção desmedida ao consumidor e às circunstâncias peculiares de cada atividade econômica. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça publicou recente notícia comunicando decisão que reputou válida a cláusula contratual que defere aos bancos o reembolso das despesas com a cobrança dos consumidores inadimplentes – RESP nº 1.361699-MG.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, há decisões recentes que, prestigiando a realidade econômica, descaracterizam como consumidores aqueles que adquiriram mais de um imóvel na planta com intuito meramente lucrativo (e não residencial) por considerá-los como investidores e, portanto, não devem usufruir dos benefícios do CDC.

Quais os limites, então, para uma justa proteção ao consumidor?

Delinear os limites para a proteção do consumidor, mediante o emprego da interpretação da lei mais condizente com a realidade econômica efetiva da relação jurídica analisada parece ser um bom caminho. Isso não é tarefa simples, contudo, é fundamental!

O Direito não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas deve se prestar como um instrumento de justiça e transformação, cabendo aos operadores do Direito a atenção para assegurar o equilíbrio social e o bem-estar comum, evitando a perpetuação de precedentes ultrapassados e dissociados da realidade socioeconômica.

Proteção ao consumidor sim, mas não a qualquer custo!

 

 

 [:en]Imagem RTN 2017 10 03

por Ricardo Teixeira do Nascimento

Após 27 anos de vigência do CDC (Código de Defesa do Consumidor), ninguém tem dúvidas de que a proteção dos consumidores é imprescindível para coibir os abusos praticados por algumas empresas. No entanto, devem ser definidos os limites dessa proteção sob a ótica socioeconômica da relação comercial.

O CDC comporta diferentes interpretações possíveis frente a um determinado caso, notadamente com o surgimento de novas e modernas relações. Nota-se, todavia, uma predisposição do Poder Judiciário em priorizar os interesses do consumidor, talvez por desconhecer a realidade socioeconômica das empresas e das relações jurídicas analisadas, o que acaba por gerar decisões desequilibradas e que impactam cada vez mais a coletividade e, ao fim, os próprios consumidores.

Não se nega que os consumidores verdadeiramente hipossuficientes devem ter tratamento diferenciado. O ponto, entretanto, é que não podemos confundir proteção com uma “superproteção” irresponsável. A jurisprudência não tem acompanhado a velocidade das transformações sociais e as decisões judiciais pró-consumidor, que antes eram consideradas justas, acabam colocando em xeque a justiça e o desenvolvimento econômico.

É o que vemos acontecer, por exemplo, no mercado imobiliário, diante do problema dos distratos de compromisso de compra e venda de imóvel. No ano de 2015, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos às construtoras (leia-se: 41% de contratos rescindidos). Historicamente, esse percentual girava em torno de 10%. Ao que parece, a severa crise que atingiu a construção civil passou despercebida pelo Poder Judiciário, sem qualquer atualização da jurisprudência para desestimular a devolução de apartamentos pelos compradores inadimplentes. É verdade que recentemente houve uma boa decisão relativa a distrato, que considera a realidade econômica e mercadológica, mas ainda isolada e minoritária.

Nesse contexto de adversidades enfrentadas pela área de construção civil, a jurisprudência de outrora acabou por se tornar obsoleta e muito prejudicial aos incorporadores e ao mercado como um todo, pois se trata de um dos setores que mais emprega no país. Aliás, a situação acabou por desenvolver uma cultura reprovável, qual seja, a sensação de impunidade para aqueles que desonram o contrato irrevogável e irretratável, onerando, ao fim, até mesmo os demais consumidores com o aumento do preço em razão do efeito cascata. E isso se aplica também a outros setores da economia.

De outro lado, vê-se que parte do Poder Judiciário está atenta aos reflexos dessa proteção desmedida ao consumidor e às circunstâncias peculiares de cada atividade econômica. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça publicou recente notícia comunicando decisão que reputou válida a cláusula contratual que defere aos bancos o reembolso das despesas com a cobrança dos consumidores inadimplentes – RESP nº 1.361699-MG.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, há decisões recentes que, prestigiando a realidade econômica, descaracterizam como consumidores aqueles que adquiriram mais de um imóvel na planta com intuito meramente lucrativo (e não residencial) por considerá-los como investidores e, portanto, não devem usufruir dos benefícios do CDC.

Quais os limites, então, para uma justa proteção ao consumidor?

Delinear os limites para a proteção do consumidor, mediante o emprego da interpretação da lei mais condizente com a realidade econômica efetiva da relação jurídica analisada parece ser um bom caminho. Isso não é tarefa simples, contudo, é fundamental!

O Direito não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas deve se prestar como um instrumento de justiça e transformação, cabendo aos operadores do Direito a atenção para assegurar o equilíbrio social e o bem-estar comum, evitando a perpetuação de precedentes ultrapassados e dissociados da realidade socioeconômica.

Proteção ao consumidor sim, mas não a qualquer custo![:es]Imagem RTN 2017 10 03

por Ricardo Teixeira do Nascimento

Após 27 anos de vigência do CDC (Código de Defesa do Consumidor), ninguém tem dúvidas de que a proteção dos consumidores é imprescindível para coibir os abusos praticados por algumas empresas. No entanto, devem ser definidos os limites dessa proteção sob a ótica socioeconômica da relação comercial.

O CDC comporta diferentes interpretações possíveis frente a um determinado caso, notadamente com o surgimento de novas e modernas relações. Nota-se, todavia, uma predisposição do Poder Judiciário em priorizar os interesses do consumidor, talvez por desconhecer a realidade socioeconômica das empresas e das relações jurídicas analisadas, o que acaba por gerar decisões desequilibradas e que impactam cada vez mais a coletividade e, ao fim, os próprios consumidores.

Não se nega que os consumidores verdadeiramente hipossuficientes devem ter tratamento diferenciado. O ponto, entretanto, é que não podemos confundir proteção com uma “superproteção” irresponsável. A jurisprudência não tem acompanhado a velocidade das transformações sociais e as decisões judiciais pró-consumidor, que antes eram consideradas justas, acabam colocando em xeque a justiça e o desenvolvimento econômico.

É o que vemos acontecer, por exemplo, no mercado imobiliário, diante do problema dos distratos de compromisso de compra e venda de imóvel. No ano de 2015, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos às construtoras (leia-se: 41% de contratos rescindidos). Historicamente, esse percentual girava em torno de 10%. Ao que parece, a severa crise que atingiu a construção civil passou despercebida pelo Poder Judiciário, sem qualquer atualização da jurisprudência para desestimular a devolução de apartamentos pelos compradores inadimplentes. É verdade que recentemente houve uma boa decisão relativa a distrato, que considera a realidade econômica e mercadológica, mas ainda isolada e minoritária.

Nesse contexto de adversidades enfrentadas pela área de construção civil, a jurisprudência de outrora acabou por se tornar obsoleta e muito prejudicial aos incorporadores e ao mercado como um todo, pois se trata de um dos setores que mais emprega no país. Aliás, a situação acabou por desenvolver uma cultura reprovável, qual seja, a sensação de impunidade para aqueles que desonram o contrato irrevogável e irretratável, onerando, ao fim, até mesmo os demais consumidores com o aumento do preço em razão do efeito cascata. E isso se aplica também a outros setores da economia.

De outro lado, vê-se que parte do Poder Judiciário está atenta aos reflexos dessa proteção desmedida ao consumidor e às circunstâncias peculiares de cada atividade econômica. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça publicou recente notícia comunicando decisão que reputou válida a cláusula contratual que defere aos bancos o reembolso das despesas com a cobrança dos consumidores inadimplentes – RESP nº 1.361699-MG.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, há decisões recentes que, prestigiando a realidade econômica, descaracterizam como consumidores aqueles que adquiriram mais de um imóvel na planta com intuito meramente lucrativo (e não residencial) por considerá-los como investidores e, portanto, não devem usufruir dos benefícios do CDC.

Quais os limites, então, para uma justa proteção ao consumidor?

Delinear os limites para a proteção do consumidor, mediante o emprego da interpretação da lei mais condizente com a realidade econômica efetiva da relação jurídica analisada parece ser um bom caminho. Isso não é tarefa simples, contudo, é fundamental!

O Direito não deve ser encarado como um fim em si mesmo, mas deve se prestar como um instrumento de justiça e transformação, cabendo aos operadores do Direito a atenção para assegurar o equilíbrio social e o bem-estar comum, evitando a perpetuação de precedentes ultrapassados e dissociados da realidade socioeconômica.

Proteção ao consumidor sim, mas não a qualquer custo!