Provisão contábil não é confissão de culpa
por Ricardo Teixeira do Nascimento e Elisa Junqueira Figueiredo
Considerando a obrigatoriedade dos administradores em realizar e divulgar as chamadas provisões contábeis, até mesmo para uma boa gestão financeira da empresa, surgem intrigantes questões sobre a possibilidade de tais informações serem utilizadas como meio de prova para influenciar o julgamento de ações judiciais ou arbitragens.
Imaginem, por exemplo, se a empresa “A” resolve processar a empresa “B”, que é sua concorrente. No curso do processo, “A” exibe ao juiz as demonstrações financeiras da devedora “B” como principal meio de prova do seu crédito, indicando que a ré realizou uma estimativa de perda provável dessa ação em sua contabilidade. Façamos algumas reflexões:
A provisão realizada por “B” poderia ser reconhecimento de uma confissão de dívida? Tal provisão poderia favorecer “A” na disputa, influenciando o julgador (seja juiz ou árbitro) no reconhecimento de culpa de “B”? O julgador poderia indicá-la no fundamento de sua sentença para condenar “B”? O procedimento adotado pela empresa “A” seria legal ou moralmente aceito? Para não comprometer sua defesa no litígio, a empresa “B” poderia ter ocultado essa provisão em sua contabilidade ou, diante da obrigação da lei, poderia ao menos divulgá-la com restrições? Essas e outras são questões que ainda afligem o setor empresarial.
Em linhas gerais, a provisão pode ser entendida como o reconhecimento de um passivo (dívida), cujo prazo ou valores são incertos, porém avalia-se como provável o pagamento correspondente. Por ser o reconhecimento de um passivo, a provisão acaba impactando os resultados financeiros e, consequentemente, a distribuição de dividendos aos sócios, pois compromete a apuração do lucro. Daí a importância da provisão, cuja estimativa, aliás, deve ser a mais fidedigna possível para assegurar a saúde financeira da companhia e também para viabilizar a perfeita análise da destinação dos lucros.
Diante do dilema entre divulgar a provisão fielmente e, ao mesmo tempo, não prejudicar sua estratégia defensiva em um litígio, o empresário deve ter em mente alguns cuidados e também conhecer algumas diretrizes dadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, em especial o Pronunciamento Técnico – CPC nº 25, que disciplina o tema.
Nos casos em que o conhecimento da provisão possa comprometer a defesa da empresa, o administrador pode não divulgar em detalhes a provisão e se limitar a informar que existe uma ação judicial ou arbitral, com uma nota explicativa justificando que a divulgação poderia prejudicar seriamente a posição da companhia na discussão do conflito (item 92 do CPC nº 25).
Apesar de as demonstrações financeiras serem manifestações expressas das empresas (declarações com implicância jurídica), é importante dizer que as provisões não configuram confissões de dívida nem mesmo o reconhecimento de culpa do réu.
O julgador desatento que condenar uma empresa apenas com base em uma provisão contábil, por exemplo, estaria cometendo um erro. A provisão não gera um título executivo, como se fosse um cheque para o credor lhe executar e nem mesmo poderia servir como documento capaz de influenciar a decisão do magistrado ou árbitro. Pensar o contrário seria o mesmo que autorizar um procedimento imoral, que teria perigosos e imensuráveis reflexos econômicos na sociedade. Até mesmo porque a provisão pode variar muito consoante o perfil do administrador (conservador ou arrojado), ou seja, não é uma certeza, apenas uma probabilidade e uma análise e julgamento de valor da administração da companhia.
Não se nega que o contato com a informação poderia, na prática, “contaminar” o convencimento do julgador sobre a culpa da devedora, por um pensamento do tipo: “Ora! Se a própria empresa devedora assume ser muito provável a perda da demanda, antes mesmo de haver uma sentença, porque o juiz julgaria a seu favor?” Todavia, esse raciocínio não tem amparo jurídico e também seria moralmente inaceitável por punir aquele que provisiona e divulga corretamente.
Pensando, de outro lado, e se uma empresa deixa de provisionar uma potencial dívida em litígio, com receio dos seus credores utilizarem o balanço como meio de prova? Certamente, terá que se preocupar com os acionistas, sócios e demais players do mercado, por uma má gestão e negligência na prestação das demonstrações financeiras. Essa omissão não passaria despercebida por uma auditoria independente, por exemplo, e mancharia a reputação da empresa.
O ponto sensível de análise, portanto, é a divulgação ou não dessa provisão, que deverá ser ponderada frente às circunstâncias peculiares de cada situação. Apesar da polêmica, o dever de mensurá-la adequadamente continua presente, tendo-se como premissa que a provisão não é uma confissão de dívida nem de culpa, não podendo, inadvertidamente, influenciar os resultados de uma disputa judicial.
[:en]
por Ricardo Teixeira do Nascimento e Elisa Junqueira Figueiredo
Considerando a obrigatoriedade dos administradores em realizar e divulgar as chamadas provisões contábeis, até mesmo para uma boa gestão financeira da empresa, surgem intrigantes questões sobre a possibilidade de tais informações serem utilizadas como meio de prova para influenciar o julgamento de ações judiciais ou arbitragens.
Imaginem, por exemplo, se a empresa “A” resolve processar a empresa “B”, que é sua concorrente. No curso do processo, “A” exibe ao juiz as demonstrações financeiras da devedora “B” como principal meio de prova do seu crédito, indicando que a ré realizou uma estimativa de perda provável dessa ação em sua contabilidade. Façamos algumas reflexões:
A provisão realizada por “B” poderia ser reconhecimento de uma confissão de dívida? Tal provisão poderia favorecer “A” na disputa, influenciando o julgador (seja juiz ou árbitro) no reconhecimento de culpa de “B”? O julgador poderia indicá-la no fundamento de sua sentença para condenar “B”? O procedimento adotado pela empresa “A” seria legal ou moralmente aceito? Para não comprometer sua defesa no litígio, a empresa “B” poderia ter ocultado essa provisão em sua contabilidade ou, diante da obrigação da lei, poderia ao menos divulgá-la com restrições? Essas e outras são questões que ainda afligem o setor empresarial.
Em linhas gerais, a provisão pode ser entendida como o reconhecimento de um passivo (dívida), cujo prazo ou valores são incertos, porém avalia-se como provável o pagamento correspondente. Por ser o reconhecimento de um passivo, a provisão acaba impactando os resultados financeiros e, consequentemente, a distribuição de dividendos aos sócios, pois compromete a apuração do lucro. Daí a importância da provisão, cuja estimativa, aliás, deve ser a mais fidedigna possível para assegurar a saúde financeira da companhia e também para viabilizar a perfeita análise da destinação dos lucros.
Diante do dilema entre divulgar a provisão fielmente e, ao mesmo tempo, não prejudicar sua estratégia defensiva em um litígio, o empresário deve ter em mente alguns cuidados e também conhecer algumas diretrizes dadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, em especial o Pronunciamento Técnico – CPC nº 25, que disciplina o tema.
Nos casos em que o conhecimento da provisão possa comprometer a defesa da empresa, o administrador pode não divulgar em detalhes a provisão e se limitar a informar que existe uma ação judicial ou arbitral, com uma nota explicativa justificando que a divulgação poderia prejudicar seriamente a posição da companhia na discussão do conflito (item 92 do CPC nº 25).
Apesar de as demonstrações financeiras serem manifestações expressas das empresas (declarações com implicância jurídica), é importante dizer que as provisões não configuram confissões de dívida nem mesmo o reconhecimento de culpa do réu.
O julgador desatento que condenar uma empresa apenas com base em uma provisão contábil, por exemplo, estaria cometendo um erro. A provisão não gera um título executivo, como se fosse um cheque para o credor lhe executar e nem mesmo poderia servir como documento capaz de influenciar a decisão do magistrado ou árbitro. Pensar o contrário seria o mesmo que autorizar um procedimento imoral, que teria perigosos e imensuráveis reflexos econômicos na sociedade. Até mesmo porque a provisão pode variar muito consoante o perfil do administrador (conservador ou arrojado), ou seja, não é uma certeza, apenas uma probabilidade e uma análise e julgamento de valor da administração da companhia.
Não se nega que o contato com a informação poderia, na prática, “contaminar” o convencimento do julgador sobre a culpa da devedora, por um pensamento do tipo: “Ora! Se a própria empresa devedora assume ser muito provável a perda da demanda, antes mesmo de haver uma sentença, porque o juiz julgaria a seu favor?” Todavia, esse raciocínio não tem amparo jurídico e também seria moralmente inaceitável por punir aquele que provisiona e divulga corretamente.
Pensando, de outro lado, e se uma empresa deixa de provisionar uma potencial dívida em litígio, com receio dos seus credores utilizarem o balanço como meio de prova? Certamente, terá que se preocupar com os acionistas, sócios e demais players do mercado, por uma má gestão e negligência na prestação das demonstrações financeiras. Essa omissão não passaria despercebida por uma auditoria independente, por exemplo, e mancharia a reputação da empresa.
O ponto sensível de análise, portanto, é a divulgação ou não dessa provisão, que deverá ser ponderada frente às circunstâncias peculiares de cada situação. Apesar da polêmica, o dever de mensurá-la adequadamente continua presente, tendo-se como premissa que a provisão não é uma confissão de dívida nem de culpa, não podendo, inadvertidamente, influenciar os resultados de uma disputa judicial.[:es]
por Ricardo Teixeira do Nascimento e Elisa Junqueira Figueiredo
Considerando a obrigatoriedade dos administradores em realizar e divulgar as chamadas provisões contábeis, até mesmo para uma boa gestão financeira da empresa, surgem intrigantes questões sobre a possibilidade de tais informações serem utilizadas como meio de prova para influenciar o julgamento de ações judiciais ou arbitragens.
Imaginem, por exemplo, se a empresa “A” resolve processar a empresa “B”, que é sua concorrente. No curso do processo, “A” exibe ao juiz as demonstrações financeiras da devedora “B” como principal meio de prova do seu crédito, indicando que a ré realizou uma estimativa de perda provável dessa ação em sua contabilidade. Façamos algumas reflexões:
A provisão realizada por “B” poderia ser reconhecimento de uma confissão de dívida? Tal provisão poderia favorecer “A” na disputa, influenciando o julgador (seja juiz ou árbitro) no reconhecimento de culpa de “B”? O julgador poderia indicá-la no fundamento de sua sentença para condenar “B”? O procedimento adotado pela empresa “A” seria legal ou moralmente aceito? Para não comprometer sua defesa no litígio, a empresa “B” poderia ter ocultado essa provisão em sua contabilidade ou, diante da obrigação da lei, poderia ao menos divulgá-la com restrições? Essas e outras são questões que ainda afligem o setor empresarial.
Em linhas gerais, a provisão pode ser entendida como o reconhecimento de um passivo (dívida), cujo prazo ou valores são incertos, porém avalia-se como provável o pagamento correspondente. Por ser o reconhecimento de um passivo, a provisão acaba impactando os resultados financeiros e, consequentemente, a distribuição de dividendos aos sócios, pois compromete a apuração do lucro. Daí a importância da provisão, cuja estimativa, aliás, deve ser a mais fidedigna possível para assegurar a saúde financeira da companhia e também para viabilizar a perfeita análise da destinação dos lucros.
Diante do dilema entre divulgar a provisão fielmente e, ao mesmo tempo, não prejudicar sua estratégia defensiva em um litígio, o empresário deve ter em mente alguns cuidados e também conhecer algumas diretrizes dadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, em especial o Pronunciamento Técnico – CPC nº 25, que disciplina o tema.
Nos casos em que o conhecimento da provisão possa comprometer a defesa da empresa, o administrador pode não divulgar em detalhes a provisão e se limitar a informar que existe uma ação judicial ou arbitral, com uma nota explicativa justificando que a divulgação poderia prejudicar seriamente a posição da companhia na discussão do conflito (item 92 do CPC nº 25).
Apesar de as demonstrações financeiras serem manifestações expressas das empresas (declarações com implicância jurídica), é importante dizer que as provisões não configuram confissões de dívida nem mesmo o reconhecimento de culpa do réu.
O julgador desatento que condenar uma empresa apenas com base em uma provisão contábil, por exemplo, estaria cometendo um erro. A provisão não gera um título executivo, como se fosse um cheque para o credor lhe executar e nem mesmo poderia servir como documento capaz de influenciar a decisão do magistrado ou árbitro. Pensar o contrário seria o mesmo que autorizar um procedimento imoral, que teria perigosos e imensuráveis reflexos econômicos na sociedade. Até mesmo porque a provisão pode variar muito consoante o perfil do administrador (conservador ou arrojado), ou seja, não é uma certeza, apenas uma probabilidade e uma análise e julgamento de valor da administração da companhia.
Não se nega que o contato com a informação poderia, na prática, “contaminar” o convencimento do julgador sobre a culpa da devedora, por um pensamento do tipo: “Ora! Se a própria empresa devedora assume ser muito provável a perda da demanda, antes mesmo de haver uma sentença, porque o juiz julgaria a seu favor?” Todavia, esse raciocínio não tem amparo jurídico e também seria moralmente inaceitável por punir aquele que provisiona e divulga corretamente.
Pensando, de outro lado, e se uma empresa deixa de provisionar uma potencial dívida em litígio, com receio dos seus credores utilizarem o balanço como meio de prova? Certamente, terá que se preocupar com os acionistas, sócios e demais players do mercado, por uma má gestão e negligência na prestação das demonstrações financeiras. Essa omissão não passaria despercebida por uma auditoria independente, por exemplo, e mancharia a reputação da empresa.
O ponto sensível de análise, portanto, é a divulgação ou não dessa provisão, que deverá ser ponderada frente às circunstâncias peculiares de cada situação. Apesar da polêmica, o dever de mensurá-la adequadamente continua presente, tendo-se como premissa que a provisão não é uma confissão de dívida nem de culpa, não podendo, inadvertidamente, influenciar os resultados de uma disputa judicial.