Querer raramente é poder, e deve ser assim
Certamente não vou abordar aqui a força de vontade, a perseverança e o “suor” que, juntos, acabam levando na maior parte das vezes a uma conclusão inversa a do título, ou seja, que querer é, sim, poder.
De forma bastante despretensiosa, tratarei de tema ácido para alguns: a revisão dos contratos.
Atualmente muito se lê e escreve sobre o direito (ou dever, para alguns) de revisar contratos.
Desde o início da pandemia vimos uma verdadeira enxurrada de produção jurídica sobre o tema. E não pensem que o assunto amornou com o passar dos meses, porque não é assim. As discussões continuam, mas os mais sérios convergem para a mesma conclusão, da qual compartilho (desde sempre) integralmente: a revisão de contratos é uma exceção e deve ser analisada caso-a-caso. Sim, antecipei a conclusão, de forma simplória. Mas vale entender como alcancei ela.
Como dito, há diversos estudos e textos jurídicos sobre o tema, que não será aqui tratado com a tecnicidade e a profundidade merecida (pois não é o objetivo), senão com uma breve pincelada prática e objetiva.
Quem me conhece sabe que sou justa e, mais do que isso, detesto oportunismos. Não me lembro de alguma causa que perdi em que a outra parte foi oportunista.
O que muito se viu no início da pandemia e continuamos vendo é a pretensão de revisar os contratos: na maior parte das vezes, a intenção do devedor de querer alterar as condições contratuais livremente pactuadas, nos mais diversos setores da economia. Mas também já se viu a pretensão de credores de revisar as condições contratuais, para aumentar a contraprestação a que tem direito.
Predomina o entendimento de que a pandemia, ou ao menos os seus efeitos, são imprevisíveis e não eram passíveis de serem evitados ou impedidos para efeitos legais. Afinal, inimagináveis um verdadeiro lockdown mundial e suas consequências na economia. Então, pode-se concluir que estaria autorizada a revisão das condições contratuais, por causa fortuito ou força maior, ou mesmo onerosidade excessiva? NÃO, ao menos não de forma indiscriminada. E assim deve ser. Mas por quê?
Nosso ordenamento jurídico privilegia a força dos contratos, a sua manutenção e trata a sua revisão como verdadeira exceção. O legislador foi bastante cuidadoso para evitar e até mesmo dificultar a revisão (e até mesmo a resolução) dos contratos, trazendo dispositivos legais bastantes restritivos (a exemplo dos artigos 317, 478 e 479 do Código Civil), ao exigir para tanto imprevisibilidade, onerosidade excessiva, com extrema vantagem para a outra parte, tratar-se de evento extraordinário e/ou impossível de evitar ou impedir.
Isso é importantíssimo na medida em que confere segurança jurídica aos negócios e, por corolário, encoraja o empreendedorismo e a realização de transações, impulsionando a economia. Não fosse assim, não tivesse cada parte a certeza (ao menos jurídica, afinal toda atividade traz risco) das consequências do negócio jurídico, não se atreveria a nele entrar ou o seu custo seria mais elevado.
O ponto crucial na análise da pretensão de revisão do contrato, portanto, são as consequências do evento no caso concreto, ou seja, em cada uma das partes envolvidas. Com esta análise caso-a-caso, evita-se o oportunismo, uma inadimplência generalizada e até mesmo o agravamento da situação econômica já tão negativamente impactada com o evento imprevisto e seus efeitos. E isso se dá porque um mesmo evento, ao mesmo tempo em que pode prejudicar alguns ou muitos, pode também beneficiar outros. Assim, deve-se analisar faturamento, contas a pagar, contas a receber, inadimplências, etc., para se aferir a (im)possibilidade temporária ou definitiva de cumprir a obrigação.
Imagine uma empresa que produz álcool em gel ou mesmo máscaras cirúrgicas. O evento pandêmico provavelmente não a atingiu negativamente, muito pelo contrário. O mesmo não se pode falar de empresas do ramo de turismo, que em sua maioria praticamente pararam as atividades. Aí estão claros exemplos de que o mesmo evento (pandemia) atingiu de forma completamente diferente certos mercados e certas empresas. Por tal motivo, não se pode simplesmente revisar um contrato em razão da pandemia, ainda que seja ela imprevisível, etc.
Deve-se provar que houve uma alteração das condições contratadas (superveniência) e que tal alteração causou um desequilíbrio nas relações e/ou impossibilidade ou dificuldade de cumprimento.
Portanto, no citado caso do mercado de turismo, por exemplo, justifica-se (verificando-se o impacto real na parte requerente) a revisão dos contratos, para postergar pagamentos ou diminuir valores, ou mesmo, a depender das circunstâncias, resolver contrato, sem penalidade.
Por seu turno, credores de uma empresa brasileira que produzia respiradores e estava em recuperação judicial há anos, pagando as dívidas lentamente e a baixas prestações, foram ao Judiciário buscar o seu direito de rever as condições contratuais do plano de recuperação judicial, para majorar os pagamentos. E conseguiram!
Como se vê, a análise detida do caso concreto é crucial e determinante para se verificar o direito de revisar contratos, que deve ser usado como medida excepcional, privilegiando, sempre que possível, as condições contratadas.