Flexibilização de Valores na Recuperação Judicial e seus Reflexos
O crescente volume nos pedidos de recuperação judicial de empresas visto entre os anos de 2011 e 2016, segundo dados publicados pela empresa SERASA EXPERIAN, com evolução de mais de 360%, refletiu, além das crises vivenciadas pelo mercado, o amadurecimento do instituto da recuperação judicial, previsto na Lei nº 11.101, de 2005, que se mostrou mais eficaz do que a revogada concordata, que poucos resultados e possibilidades promovia às empresas em crise.
De 2017 a 2019, entretanto, o número de pedidos de recuperação judicial vem caindo, o que pode indicar um início de estabilização do mercado e da crise econômico-financeira que atingiu o País na última década.
O que surpreende, por outro lado, é que, apesar de sensíveis as variações dos indicadores, nesse mesmo período, os pedidos de recuperação judicial de grandes empresas aumentaram em comparação às pequenas e médias, fato que preocupa o mercado de forma geral.
Sabe-se que a alternativa da recuperação judicial tem trazido inúmeros benefícios e diversas possibilidades às empresas em crise, uma vez que os meios de superação da crise são bastante flexíveis e possibilitam a modulação a cada negócio, respeitando suas peculiaridades, levando os credores, desde que viável o plano de recuperação elaborado pela empresa, a aprovarem-no, permitindo o soerguimento do negócio.
A preservação da empresa e sua função social são valores prementes que devem ser observados para que se mantenham e se cumpram os interesses das partes envolvidas, seja o Poder Público, em relação aos tributos, sejam os empregados que dependem do sucesso do negócio para manutenção da renda, os credores em geral que têm créditos a receber e podem continuar fomentando o negócio e fornecendo seus bens e serviços e, finalmente, a empresa recuperanda, que terá continuidade, atendendo os interesses dos sócios ou acionistas que buscam o lucro no negócio.
O que tem se acompanhado nesse mercado, entretanto, é uma desvirtuação desses importantes valores que regem a recuperação judicial, especialmente pelas grandes empresas que, cada vez mais, vêm buscando essa alternativa para soerguimento dos negócios.
Os deságios buscados junto aos credores, como uma das formas de recuperação da empresa, são cada vez mais expressivos e, de certa forma, são impostos à maioria dos credores que, individualmente, não têm grande poder de representação no ato da votação do plano de recuperação judicial. Ainda, pelo fato de que, se não aprovado o plano e decretada a falência, jamais receberão seus créditos, em razão da ordem de preferência nos pagamentos legalmente prevista.
Em determinados processos de grandes recuperações judiciais, os pedidos de deságio apresentados aos credores chegaram ao absurdo de 92% e o saldo, ainda, parcelado a longo prazo, representando, certamente, um prejuízo a todo o mercado, com “efeito dominó” de graves dificuldades a todos os credores.
Agora, além dos grandes deságios, tem-se buscado a flexibilização dos pagamentos da classe dos créditos trabalhistas, que a lei determina prazo de um ano para a liquidação, buscando-se prazos mais alongados e, inclusive, deságios também para esses créditos.
A recuperação judicial, portanto, quando bem conduzida, dentro dos valores e princípios que nortearam sua instituição, traz reflexos positivos para toda a sociedade, porém, quando há abusos e estratégias que visam, apenas e tão somente, a preservação da empresa em detrimento a todos os demais envolvidos, o que se obtém é um prejuízo social e manutenção da crise-econômica do País. Esses fatos devem ser observados e neutralizados, não só pelo Poder Judiciário, mas, especialmente, pelas empresas recuperandas ao formularem seus planos de superação da crise.