Reforma tributária e reforma financeira
O Brasil, tal qual o personagem Lucien de Rubempré do livro Ilusões Perdidas de Balzac, vê-se circundado pela realidade na qual as forças aparentes e secretas levam à inatividade e ao constrangimento diante das próprias fraquezas.
A reforma tributária é, no momento, a representação dessa realidade. Ninguém há de negar que a normatividade tributária no Brasil tem algo psicodélico visto que é recheada de obrigações acessórias e inundada de incertezas e insegurança jurídica. É, sobretudo, a representação da desigualdade entre as pessoas, sejam os indivíduos, sejam as jurídicas.
Se alguém tem a crença de que a carga tributária possa ser reduzida no contexto do que se propõe fora e dentro do Congresso, pode deixar suas esperanças às portas do Legislativo. Afinal, isso seria impossível num contexto em que o Estado tem de ser financiado para viabilizar as suas próprias operações custosas e os seus ínfimos investimentos. Portanto, o tema do quantum tributário está limitado pela mais objetiva realidade, dos salários do funcionalismo premiado pela estabilidade e pelos bons ganhos frente à miséria do país até o financiamento dos serviços de qualidade, digamos, duvidosa. Note-se que por duas décadas, pelo menos, a despesa pública cresce sistematicamente 6% ao ano, acima do PIB. É o Estado tomando conta da dinâmica econômica e propagando a desigualdade por todos os lados. O Brasil construiu o Estado do Mal-Estar Social.
De outro lado, há de se reconhecer que a quantidade de tributos e suas respectivas alíquotas estão limitadas politicamente pelos interesses da Federação na distribuição dos recursos arrecadados. Assim, antes de providenciar lógica tipicamente econômica (e social) à tributação (quanto tributar frente às perspectivas do país se desenvolver), o sistema político faz contas para saber o quanto a União, os estados e os municípios perderão (ou não) com a pretendida reforma. Se a pretensão de legislar indicar prejuízo aos entes federativos tudo fica estacionado até que se retorne ao que, no mínimo, havia no passado. Os interesses privados dos indivíduos e das pessoas jurídicas ficam para um plano inferior, normalmente inconsistente do ponto de vista econômico, permanecendo as obrigações como as que existiriam antes da pretendida reforma tributária.
Agora temos a discussão da criação de um tributo mais abrangente, baseado no valor adicionado. Ora, do jeito que as cousas vão, o tal do IVA terá de ser o maior do mundo (27%?) para cobrir do pescoço aos pés os gastos do Estado. Faltará a cabeça. Enquanto isso, pouco se fala sobre a tributação da renda que é o modo mais viável e inteligente de transferir renda e tornar o país mais igualitário. Fico cofiando minha parca barba e pensando se os congressistas darão de facto esse passo reformista…
Comenta-se na mídia que uma desconhecida família bilionária transitou algo como R$ 48 bilhões pelo mercado cambial, na direção de algum paraíso fiscal, para dar providência à sucessão de determinado patriarca que estaria pouco propenso a pagar os 4% de ITCMD na distribuição de seus bens aos descendentes herdeiros. Seria este um sinal da Providência para evidenciar que há algo de errado em tudo isso?
A reforma tributária, necessária e urgente, apenas haverá de ser proveitosa e real se for precedida por uma séria e bem pensada reforma financeira, baseada em um projeto de desenvolvimento que seja minimamente consensual do ponto de vista político. Caso contrário, o esforço do Legislativo não será apenas em vão. Será uma mudança que com aparência de relevante para que tudo continue na mesma.