Riscos contábeis
Demonstrações contábeis são declarações com força jurídica
Há algumas explicações sobre o que são e a que se destinam as demonstrações contábeis. A minha preferida afirma que o balanço patrimonial demonstra o patrimônio da pessoa jurídica, constituído pelo conjunto dos seus direitos e suas obrigações. Na verdade, as demonstrações contábeis comprovam o patrimônio da pessoa jurídica, bem como sua movimentação, reconhecendo, mensurando e divulgando as relações jurídicas nas quais esta pessoa jurídica específica toma parte.
Por representarem uma declaração elaborada pelo administrador da pessoa jurídica, as demonstrações contábeis são prova com força jurídica perante todos os stakeholders (sócios, trabalhadores, fornecedores, clientes, credores, fisco comunidade e meio ambiente).
Considerando essa sua força jurídica, as demonstrações contábeis devem ser elaboradas de maneira fidedigna, de modo a apresentar o patrimônio da pessoa jurídica, e a sua movimentação, de maneira adequada. Vale dizer, os registros contábeis devem e acabam por revelar a vontade manifestada pela pessoa jurídica nos diversos negócios jurídicos celebrados.
Para cumprir essa finalidade, ganha relevância a orientação de que a escrituração contábil atribui primazia à essência econômica, que pode não estar sendo refletida na forma contratual. No entanto, a indicação de que a substância prevalece sobre a forma não é uma novidade dos padrões contábeis (IFRS): o nosso Código Civil prevê que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem” (artigo 112) e que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma” (artigo 167).
Em verdade, a forma contratual deve (ou deveria) refletir a substância econômica do negócio jurídico, até para estabelecer de maneira transparente quais são os riscos e as responsabilidade assumidos por cada parte contratante e a remuneração correspondente de cada uma delas.
Isso quer dizer que há uma relação recursiva entre contrato e registro contábil, ou seja, uma relação de causa e efeito recíproca. A elaboração do contrato influencia a escrituração contábil que por sua vez também influencia reciprocamente a elaboração do contrato. Em última instância, contrato e demonstração contábil devem refletir, apresentar e comprovar a vontade manifestada pelas partes na celebração de um negócio jurídico (em casos excepcionais e bastante específicos, poderá haver diferença entre as cláusulas contratuais e o reconhecimento contábil).
A falta de conformidade entre a relação jurídica e a escrituração contábil pode expor a pessoa jurídica a implicações negativas: o credor pode aumentar o custo de capital, seja pela elevação da taxa de juros ou pela exigência de garantias, inclusive dos sócios; o cliente pode acabar optando por outro fornecedor; o fisco pode exigir tributo não previsto no momento da celebração do contrato. Essa discrepância, então, expõe a pessoa jurídica a riscos contábeis, que devem ser geridos como outros riscos existentes na prática empresarial.