Riscos da não transferência da propriedade imobiliária
A transferência da propriedade de bem imóvel depende, conforme determina o Código Civil, da outorga de escritura pública de venda e compra (ou outra forma prevista em lei; exemplo: quando há financiamento, ao invés de escritura pública, pode ser celebrado instrumento particular com força de escritura pública, então levado a registro) e do subsequente registro do título traslativo perante o Registro de Imóveis, pagando-se, para tanto, via de regra, os emolumentos de escritura pública e de registro, bem como o Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI (artigos 108 e 1.245).
Como sabido, a maior parte das transações imobiliárias se inicia com instrumento particular de venda e compra, comumente chamado de compromisso de venda e compra, em que o pagamento do preço é feito em parcelas e, quando quitado, passa-se então à fase de ultimação do negócio, mediante a transferência da propriedade, utilizando-se, aí sim, o procedimento acima mencionado.
No entanto, em muitos casos o que se vê é que o comprador, embora quite o preço, nem sempre toma as providências para transferir a propriedade do imóvel para si. Os motivos para tanto são diversos. Apenas para citar alguns: simples desconhecimento; falta de recursos para fazer frente a emolumentos e tributos; há, ainda, quem simplesmente não queira que o imóvel apareça como de sua propriedade.
E, quando não transferida a propriedade do imóvel no Registro de Imóveis competente, não houve juridicamente a transferência da propriedade e, portanto o vendedor continuará sendo formalmente o proprietário do bem, hipótese em que as partes do negócio imobiliário acabam por admitir para si correrem inúmeros riscos ao não transferirem, efetivamente, a propriedade imobiliária.
Tal omissão, na verdade, traz riscos tanto para o vendedor, como para o comprador.
O vendedor, ao permanecer como formal proprietário, muitas vezes, se depara com cobranças judiciais de tributos (o mais comum o IPTU) e verbas condominiais em seu nome, relativos a imóveis que já foram vendidos a terceiros, todavia seguem formalmente de sua propriedade. Há, então, dispêndios com advogados para defesa em tais ações (embora o próprio imóvel responda por tais dívidas) e necessidade, caso se pretenda vender algum ativo, de prestar esclarecimentos para potenciais compradores ou mesmo investidores.
Os riscos para os compradores são, por seu turno, também bastante consideráveis.
Dentre as situações prejudiciais ao comprador, uma das mais comuns é a hipótese de o imóvel ser objeto de penhora, em processo judicial, para garantir dívida do vendedor, formal proprietário do imóvel perante o Registro de Imóveis, podendo, inclusive, o bem ser encaminhado e vendido em hasta pública (leilão). Neste caso, o comprador terá que se valer de medidas judiciais (usualmente embargos de terceiros) para comprovar que o imóvel lhe pertence, embora não tenha transferido a propriedade para si. Não bastasse, pode tal comprador ser ainda condenado a arcar com os honorários dos advogados do credor que penhorou o imóvel, pois a penhora decorreu do desconhecimento da venda ocorrida que, por sua vez, pode ter origem na omissão do comprador em transferir a propriedade junto ao Registro de Imóveis.
No caso acima, caso haja efetiva comprovação da venda ocorrida e, a depender do caso, também da quitação do preço, o comprador provavelmente terá seu imóvel a salvo. Certamente não relutará em logo querer formalizar a transferência da propriedade.
Outro problema poderá surgir caso um terceiro adquira o mesmo imóvel e registre a transmissão da propriedade, pois acabará prejudicando o direito do anterior comprador. É fato que o vendedor terá cometido ilícitos, mas o comprador terá que dispender esforços e recursos para perseguir o seu direito.
Há casos, todavia, em que a demora na outorga de escritura pública pode dificultar, em muito, a transferência do imóvel ao comprador. Imagine se o vendedor falece ou “desaparece” ou, sendo pessoa jurídica, não se encontra seus representantes legais ou mesmo houve o encerramento (ainda que de fato) da sociedade vendedora. Nestas hipóteses, por falta de representação do vendedor, fica impedida a imediata outorga de escritura pública de venda e compra em favor do comprador.
Falecendo o vendedor, a obrigação de outorga da escritura pública é transmitida ao espólio. Nesta hipótese, o compromissário-comprador pode se manifestar no próprio inventário, requerendo a expedição de alvará judicial que viabilize a celebração de escritura, mediante autorização ao inventariante (representante do espólio) para assinar a escritura púbica de venda e compra. Ainda, a depender da ocasião e peculiaridade do caso concreto, o comprador pode ser ver obrigado a ajuizar uma ação de adjudicação compulsória para buscar formalizar a transferência da propriedade do imóvel, situação que bem se aplica para os casos em que não se localiza o representante legal da pessoa jurídica vendedora.
Na adjudicação compulsória é possível pedir que o juiz supra a vontade do vendedor (ao invés de obrigá-lo a assinar a escritura pública) e determine diretamente ao oficial de Registro de Imóveis a transferência da propriedade do imóvel para o adquirente. Todavia, o próprio Código Civil restringe a adoção dessa ação às hipóteses de recusa do promitente-vendedor (ou espólio) em outorgar a escritura pública, o que acaba limitando as opções do comprador.
De qualquer maneira, todos esses riscos (além de outros não abordados) e medidas (que serão adotadas a depender do problema) poderão ser facilmente evitados caso as partes procedam com a transmissão da propriedade, de acordo com o Código Civil, mediante a celebração de escritura pública e o consequente registro junto à matrícula do imóvel no Registro de Imóveis, tão logo haja a quitação do preço.
Embora haja outras formas e medidas a serem tomadas para mitigar os riscos apontados (e outros que sequer foram aqui mencionados), a lição que fica é que o caminho seguro, seja para o vendedor, seja para o comprador, é efetivar a transferência da propriedade, mediante o registro do título que transmite a propriedade à margem da matrícula no Registro de Imóveis.