Será que agora pega?
A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019) foi muito comentada e discutida pela sociedade em geral. Críticas e elogios caminharam juntos.
Até aqueles que não tem no Direito o seu dia-a-dia comemoraram e debateram as “novidades” da lei. Por que as aspas? Simples: boa parte das “novidades” abordadas nas rodas de conversas não passam de uma intenção, boa sem dúvida, de reforçar princípios e regras que já existiam em nosso ordenamento, mas eram distorcidas, ignoradas ou simplesmente mal aplicadas.
Antes de passar a abordar alguns exemplos, conto uma experiência curiosa, mas marcante. Ainda enquanto frequentava os bancos universitários para graduação em Direito, fui assistir a uma palestra de um conhecido jurista em matéria processual, que comentava as então novas mudanças nas regras do agravo de instrumento. Ao final, ouvi com surpresa algo assim: “Será que a lei pega? É, no Brasil, tem disso: tem lei que pega e lei que não pega.” Me surpreendi. Mas confesso que a surpresa não durou muito. Vi, na prática, que aquela lei “não pegou” muito, ao menos não nos primeiros anos de vigência.
E não foi somente a lei do agravo que não pegou. Vemos em nosso ordenamento alguns exemplos disso (e aqui vou me ater a matéria civil e contratual) e que a Lei da Liberdade Econômica veio para colocar em prática, forçar o cumprimento da norma ou reforçar a intenção do legislador.
A desconsideração da personalidade jurídica é um bom exemplo. A instituição, incluída pelo Código Civil de 2002, inexistente no anterior, embora já aplicada pela jurisprudência, pegou (até demais): foi muito aceita e empregada de forma ampla, distorcendo muitas vezes a letra da lei. Bastava a pessoa jurídica não pagar a condenação (não ter condições financeiras para tanto), que o credor pedia a desconsideração da personalidade jurídica para atingir os bens dos sócios. Na maior parte das vezes, embora não fosse essa a intenção do legislador, o juiz desconsiderava a personalidade jurídica, mesmo sem estarem presentes quaisquer dos requisitos legais.
Com isso, foi colocada em xeque a separação do patrimônio dos sócios do da pessoa jurídica e a responsabilidade limitada dos sócios.
Neste sentido, a Lei de Liberdade Econômica andou bem ao tratar o tema, deixar claro que a pessoa jurídica não se confunde com a dos sócios (o que não é novidade em nosso ordenamento, mas vinha sendo relegada ao ostracismo) e, também, incluir que apenas é cabível contra aquele que se beneficiou do abuso da personalidade jurídica (este último, aí sim, uma novidade). Por certo, a falta de dinheiro, por si só, tal como vinha ocorrendo, não justifica tal extrema medida, que pode desestimular o empreendedorismo. Espera-se que agora, com as novas e nem tão novas regras, a desconsideração da personalidade jurídica seja finalmente aplicada da maneira como sempre pretendeu o legislador.
A Lei da Liberdade Econômica trouxe também avanços e simplificação para a constituição de novas sociedades e até mesmo registros de atos societários, enfim, visou a estimular o empreendedorismo. Dentre as medidas, muitos comemoraram a possibilidade de uma sociedade ser constituída por apenas uma pessoa. Não vamos discutir a semântica (sociedade x uma pessoa), mas tal previsão não trouxe novidade, pois já existia a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, que sequer foi revogada ou tratada pela lei, gerando discussões sobre o tema.
É certo que a EIRELI depende de capital social mínimo e a sociedade unipessoal não. Bastava, então, retirar tal exigência da EIRELI, ao invés de tentar reinventar o que já existia ou tratar como novidade o que não é. E, novamente, neste âmbito, embora também já fosse presente no ordenamento, ficou expressamente previsto que somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, salvo os casos de fraude. Espera-se, que com tanto esforço em deixar o tema claro, tal limitação de responsabilidade finalmente “pegue”.
Finalmente, para não me estender, menciono a função social dos contratos, a boa-fé, a autonomia de vontade, também tratados na Lei da Liberdade Econômica, como exemplos de temas já previstos em nosso ordenamento, ainda que alguns deles de forma geral ou genérica, porém expressa. Deveria ser o suficiente para a sua ampla aplicação. Porém, na prática, não foi. O destaque dado pela Lei da Liberdade Econômica veio a enfatizar e até mesmo detalhar, sempre na intenção de facilitar e encorajar a sua aplicação.
Será que agora tudo isso pega, colaborando para o desenvolvimento e crescimento econômicos do País?
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