Fio da meada

14 de março de 2023

Vamos falar sobre taxar a exportação de petróleo?

O imposto sobre exportação não é novidade, mas precisa de algumas condições para atingir o objetivo esperado.

Causou alguma surpresa a decisão do ministro da Fazenda em estabelecer o imposto sobre exportação de petróleo cru: taxar exportação? qual a razão para essa medida?

O imposto sobre exportação não é novidade, tendo sido utilizado em diversos momentos na história tributária e econômica mundial e brasileira. A Constituição Federal de 1988 o prevê no artigo 153, II, e mesmo depois da sua promulgação ele foi utilizado.

Acontece que por sua finalidade, muitas vezes a instituição não ganha destaque na imprensa geral ou mesmo especializada. Talvez a repercussão que tenha recebido a taxação da exportação do petróleo cru seja pelo momento que vivemos e pelo produto em si.

O imposto sobre exportação exerce predominantemente a função extrafiscal ou regulatória: não se destina – em teoria – imediatamente à arrecadação, mas a regular situações de mercado. Tanto é assim que a Constituição Federal mitiga a legalidade, no sentido de que o Poder Executivo tem autorização de, por decreto, aumentar e reduzir sua alíquota, e mesmo sua instituição ou seu aumento não estão sujeitos à anterioridade, passando a vigorar desde a publicação do respetivo ato normativo.

Neste caso específico do petróleo cru, no entanto, parece que o imposto sobre exportação veio para cumprir as duas funções: de regulador e de arrecadador.

Em uma avaliação geral, taxar a exportação do petróleo cru, ao encarecer o preço deste produto nacional, teria por objetivo manter estoque no Brasil, o que implicaria sua maior oferta local e, com isso, a redução do preço interno: trata-se de aplicar a lei da oferta e da demanda: quanto maior a oferta, menor o preço praticado. Dessa forma, com esse controle, o efeito sobre a inflação seria positivo, ou seja, tenderia a conter o avanço dos preços que sofrem o impacto do preço dos combustíveis. Para cumprir essa função, no entanto, algumas condições precisam ser cumpridas:

Incentivo ao refino. O petróleo cru não é utilizado diretamente; é preciso que ele seja refinado para a produção da gasolina e do óleo diesel, além de outros produtos dele derivados. Manter o estoque nacional do petróleo cru somente repercutirá no preço dos combustíveis se houver refinarias dispostas a transformá-lo em combustível. Como a Petrobras possui um papel relevante nesse mercado e é controlada pelo governo federal, ela deve liderar essa atividade do refino.

Capacidade de refino. Ainda que haja refinarias incentivadas a transformar o petróleo cru em combustível, é preciso que elas tenham capacidade de refino. O petróleo cru é, digamos assim, a “matéria-prima” da gasolina e do óleo diesel; com isso, seu estoque elevado somente produzirá combustível se transformado (refinado). Sem capacidade de refino teremos apenas maior estoque de “matéria-prima”, sem a necessária transformação em produto acabado.

Capacidade de produção. Para que o petróleo cru seja refinado, garanta ou até aumente a oferta de combustível aos brasileiros, também é necessário que haja capacidade de produção, ou seja, de extração desse petróleo. A ausência dessa capacidade de extração tende a limitar os efeitos pretendidos pela taxação da exportação de petróleo cru.

Disposição para venda no mercado brasileiro. Superadas as condições do incentivo e da capacidade de refino, as refinarias, Petrobras à frente, devem ter interesse em vender seu produto (combustíveis fósseis) no mercado brasileiro.

Com relação à Petrobras, como dito acima, em razão de o controlador ser o governo federal, não há muita dúvida de que sua produção será destinada aos consumidores locais. No entanto, caso a produção da Petrobras não seja suficiente para suprir a demanda local, haverá necessidade de que refinarias privadas também atuem no mercado brasileiro.

Neste ponto, a questão do câmbio é importante: como a exportação é cotada em moeda estrangeira, a diferença cambial entre o real e esta moeda não poderá ser grande o suficiente para que a exportação, mesmo com o imposto de 9,2%, continue a ser mais vantajosa.

Se isso ocorrer, pode haver certa escassez dos derivados de petróleo no mercado brasileiro, o que tende a elevar o seu preço – causando o efeito inverso do esperado. Nas vendas a termo, ou seja, nas exportações já contratadas, mas ainda não entregues, esse impacto na oferta nacional não será sentido, pois os contratos deverão ser cumpridos e o petróleo cru exportado. O efeito do imposto sobre exportação será, neste último caso, praticamente “apenas” arrecadatório.

Esse “efeito colateral”, isto é, de arrecadação, ao que parece, pela entrevista do ministro da Fazenda, também é contabilizado: seriam, então, esperadas as duas funções do imposto sobre exportação, seja regulador do mercado seja arrecadador de receita pública.

Esta última função do tributo é ainda mais sensível às vicissitudes do mercado. Por exemplo: imagine-se que a função reguladora do imposto sobre exportação de petróleo cru tenha sido alcançada “à perfeição”, no sentido de que toda a produção dessa forma de petróleo seja destinada e consumida por agentes nacionais. Assim, nenhuma quantidade de petróleo cru seria exportada, não havendo base para a arrecadação.

Além disso, considerando que o imposto sobre a exportação de petróleo cru é temporário – até 30 de junho de 2023 –, as refinarias locais que tenham capacidade para suportar esse prazo poderão não realizar exportações, aguardando o fim da vigência do tributo. Com essa iniciativa das refinarias, por um lado, nenhum valor será arrecadado a título desse imposto, e, por outro, os efeitos sobre a oferta nacional de petróleo cru podem tampouco se verificar.